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A nova investida do governo para precarizar o trabalho

Por Marina Junqueira de Freitas e Lucia Porto Noronha
Atualização:
Marina Junqueira de Freitas e Lucia Porto Noronha. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No último dia 21/11, foi publicada minuta de decreto que regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, consolidando 31 decretos já existentes, e institui o Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas e o Prêmio Nacional Trabalhista.

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Tal decreto foi disponibilizado para consulta pública pelo ministro de Estado Chefe da Casa Civil. Dessa forma, a população em geral (pessoa física ou jurídica) pode deixar seus comentários e sugestões em cada um dos dispositivos do decreto.

Em se tratando de um decreto, que tem como principal função regulamentar a lei, sem contrariar ou inovar direitos, não há a necessidade de análise pelo Congresso Nacional, podendo ser publicado pelo presidente após a consulta popular.

Mais uma vez o atual governo (seguindo uma linha de desconstrução dos direitos trabalhistas que vem desde a reforma) busca editar medidas legislativas que, muitas vezes, em nome de uma falsa modernização, flexibiliza direitos trabalhistas.

Também como ocorreu com a edição da Medida Provisória nº. 905, editada no final de 2019, e que propunha a instituição da chamada Carteira Verde e Amarela, o governo alega que o efeito esperado é o aumento da empregabilidade, quando na verdade estamos cada vez mais vendo o desemprego aumentar, e os empregos formais dando lugar para trabalhos precarizados.

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Outra peculiaridade das medidas legislativas editadas nos últimos anos é o hábito de serem divulgadas como tendo um tema único e central, quando, na verdade, se trata de um compilado de diversas medidas que, muitas vezes, não possuem qualquer ligação entre si, a não ser o desmanche dos direitos trabalhistas.

Isso não é diferente no decreto ora analisado. Logo nos primeiros parágrafos, quando da regulamentação do Programa Permanente de Consolidação, Simplificação e Desburocratização de Normas Trabalhistas, fica claro que a revisão da legislação e compatibilização destas com as políticas e diretrizes do governo federal estão a serviço da melhoria do ambiente de negócios, e redução de eventuais excessos da atuação estatal não em prol dos direitos dos trabalhadores.

Através do artigo que disciplina o Prêmio Nacional Trabalhista, também se verifica a falta de preocupação com o melhor interesse do trabalhador, uma vez que apesar de dispor que a finalidade de tal prêmio seja de estimular a pesquisa nas áreas de direito do trabalho, economia do trabalho e auditoria do trabalho, o que se verifica é que o projeto por trás do Prêmio deve estar alinhado com objetivos estratégicos e os do Ministério da Economia.

Outro dispositivo estipulado para facilitar unicamente os interesses das empresas é o que disciplina sobre o Livro de Inspeção do Trabalho Eletrônico. Através de uma leitura do capítulo que trata sobre o tema, verifica-se que o interesse do legislador não foi, de forma alguma, ter registros para facilitar a inspeção no ambiente de trabalho, para averiguar eventuais irregularidades trabalhistas, mas sim facilitar e simplificar os trâmites de uma empresa quando ela sofre um procedimento administrativo trabalhista.

Em relação às denúncias e pedidos de fiscalização trabalhista, o decreto estipula a criação de um canal eletrônico no qual as irregularidades relatadas poderão ser incorporadas ao planejamento da inspeção do trabalho, mediante avaliação da autoridade regional de inspeção do trabalho, mas somente quando evolverem risco grave e iminente à segurança e à saúde de trabalhadores, ausência de pagamento de salário, trabalho infantil ou indício de trabalho análogo ao de escravo.

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Entendemos que esta é uma previsão extremamente danosa aos trabalhadores, uma vez que as denúncias somente podem ser acatadas quando tratarem das hipóteses (taxativas) acima dispostas, deixando de fora, por exemplo, possíveis riscos de grau médio à saúde do trabalhador, ou ainda denúncias que envolvam o não pagamento de rubrica específica do salário ou de diferenças rescisórias e aquelas que envolvam o atraso de salários.

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Dentre os princípios que devem orientar e elaboração e revisão das normas relacionadas à segurança e à saúde no trabalho, está a compatibilização destas com o princípio do livre exercício da atividade econômica e da busca do pleno emprego, assim como consta do decreto que é vedado redigir enunciados que impeçam ou retardem a inovação e a adoção de novas tecnologias, processos ou modelos de negócios, evidenciando, novamente, o alinhamento do legislador com os interesses do empresariado.

Além disso, o decreto também consolida temas tratados de outros 31 decretos.

Com essa consolidação, o decreto acaba por revogar uma série de instrumentos de mesma matéria e natureza, dentre eles aquele que trata da mediação de conflitos coletivos. Esta é tratada de forma breve no decreto, deixando a cargo do Secretário Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia tratar sobre os procedimentos necessários para seu cumprimento.

Ademais, ao fazer a junção entre os diversos dispositivos legais que tratam sobre o PAT (Programa de Alimentação do Trabalhador), mantem o que se encontra disposto nesses, em consonância com Lei nº 6.321, de 1976, especialmente no que tange aos descontos no Imposto de Renda concedido às empresas que aderirem ao programa.

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Em relação ao registro de ponto, estão mantidas as Portarias nº.1510/2009 e nº. 373/2011, que trazem regras bastante detalhadas sobre a marcação de ponto e relógio eletrônico. Também foram mantidas previsões previstas na CLT, como a possibilidade de marcação de ponto por exceção e pré-assinalação do horário para alimentação. Em relação ao ponto por exceção, importante lembrar que a opção somente será possível se houver acordo individual, ACT ou CCT.

Por fim, ao tratar sobre a possibilidade de trabalho nos dias de repouso, desde que garantida a remuneração correspondente, o dispositivo do decreto mostra-se bastante amplo.

Essa não é a primeira vez que o atual governo, através de medidas legislativas, busca permitir o trabalho aos domingos e feriados, além de criar impedimentos ao recebimento do acréscimo legal de, no mínimo, 50% na remuneração do serviço extraordinário. A MP 881, tinha como um de seus objetivos tal permissivo. No entanto, o texto que revogava diversos dispositivos da CLT e permitia o trabalho em dias de descanso aprovado pela Câmara foi suprimido pelo Senado.

A previsão é que a minuta do decreto fique aberta à consulta pública até 19 de fevereiro, quando poderá ser promulgada pelo presidente da República.

*Marina Junqueira de Freitas e Lucia Porto Noronha, sócias da área coletiva de Direito trabalhista do Crivelli Advogados

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