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A nefasta lógica dos privilégios garantidos por lei

Por Rodrigo Castanho
Atualização:
Rodrigo Castanho. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Frederic Bastiat é um autor francês nascido em 1800, logo após o término da Revolução Francesa. A sua obra se torna mais relevante durante as tentativas de alguns teóricos de construir uma 'nova França', socialista. Neste ínterim, Bastiat expôs as fragilidades do sistema socialista, destacando a preservação das liberdades como força motriz para uma sociedade mais próspera. Compreender esse contexto histórico é fundamental para entendermos a importância de sua obra e a relevância de seus argumentos nas discussões contemporâneas.

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Em seu livro A lei, Bastiat reflete sobre o conceito "lei", qual o seu papel em garantir o equilíbrio social e quais os possíveis danos que ela pode causar à sociedade, quando subvertida. O livro é dividido em pequenos tópicos, s quais o autor elenca seus argumentos.

Quanto ao primeiro ponto, a utilidade ou finalidade da lei, Bastiat diz que ela deve garantir as liberdades individuais e o direito à propriedade. Nesse contexto, o governo age como agente mantenedor dessas garantias fundamentais. No entanto, a lei pode ser pervertida por grupos de interesse e provocar distorções em sua finalidade, gerando prejuízo para todos. Pode-se detectar se uma perversão na lei quando percebemos que um grupo é beneficiado à custa dos outros. Segundo Bastiat, o homem tem como força motriz o seu autodesenvolvimento. No entanto, ocorre disfuncionalidade nesse modelo quando que, para atingir sua meta, o homem "prospera à custa dos outros'. Dessa disfuncionalidade derivam os conflitos e as guerras, impedindo a prosperidade legítima e fundamental.

Para ele, o Estado se torna agente de perversão da lei ao utilizar ferramentas como intervencionismo e protecionismo para arbitrar em favor de um grupo em detrimento dos demais. Em relação ao regime político, Bastiat defende o liberalismo para garantir as liberdades e os direitos individuais. Ele se opõe drasticamente ao socialismo, pois é um regime político que cerceia as liberdades individuais (censura a liberdade de expressão, por exemplo), admite a repressão, tornando as pessoas cobaias de experimentos sociais - dentre outras práticas que o tornam abominável.

Traçando um paralelo com o Brasil atual, podemos claramente notar que a lei vem sendo utilizada como instrumento de espoliação, haja vista que o Estado precisa de recursos financeiros para bancar sua estrutura e o "serviços que presta". No podcast IFL do mês de março, Salim Mattar retratou o sistema brasileiro didaticamente como um "sistema que produz cidadãos de primeira e segunda classe, sendo cidadãos de primeira classe os que por cargo eletivo, nomeação ou concurso dependem da fonte de renda estatal, e os de segunda classe, aqueles que precisam prover seu sustento no mercado (empreender ou empregar-se). Os cidadãos de primeira classe têm benefícios praticamente vitalícios e imutáveis, não importa o contexto econômico do país, enquanto os cidadãos de segunda classe sofrem impacto direto e desproporcional de eventos adversos ao assumir as despesas para manter os privilégios dos cidadãos de primeira classe".

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Para quantificar esse espolio, podemos analisar o caso da educação, em que cada aluno de escola pública custa em média aproximadamente R$ 20 mil por ano ou R$ 1,6 mil por mês. Muitas escolas particulares têm mensalidade com valor inferior ou igual a esse. Infelizmente, a educação geral do Brasil figura na 65ª posição (de 79 países) (2), enquanto a educação privada fica em 5º. lugar neste ranking. Analisando os salários dos professores, a espoliação fica ainda mais nítida, pois, na média, um professor de escola pública ganha menos da metade de um professor de escola particular. Traçando um paralelo com uma linha de produção, os insumos (investimento arrecadado sob a forma de impostos) são alocados na cadeia produtiva (sistema de ensino), porém a linha de produção estatal é muito menos eficiente por causa de desvios de recursos, ineficiência e incapacidade.

Essa linha de produção ineficiente se mantém com base no corporativismo e no ideário socialista, disseminando que é positivo para o país ter um sistema de ensino público e que os resultados pífios no PISA refletem insuficiência de recursos. No entanto, sabemos que, ao aumentar a alocação de recursos financeiros, poderíamos até piorar a qualidade de ensino, alimentando a entropia do sistema (hoje muito eficientemente preparado para espoliar).

Uma vez exposto todo este quadro de distorção da lei e seus efeitos, perguntamos como quebrar esse ciclo. Ao final de seu livro, Bastiat conclui que muitos pensadores e líderes arrogam-se o direito de criar esse cenário de liberdade, porém, ele só será atingido quando as pessoas por sua evolução liberal conquistam esta clareza e constroem as leis em cima disso. Ainda parafraseando Salim Mattar no podcast do IFL: "o liberais no Brasil há alguns anos enchiam um carro, hoje já enchem um ônibus, mas só teremos mudanças efetivas quando tivermos liberais suficientes para encher vários estádios." Alinhado com isso, cabe dedicar nosso tempo e esforços para levar o liberalismo às pessoas que ainda não tiveram contato e promover de forma lúcida os benefícios que elas podem ter quando deixarem de delegar seus recursos e decisões a uma classe estatal que subverte as leis a seu favor.

Finalizo esta resenha com a passagem que me provocou maior reflexão, quando Bastiat contrapõe o autor socialista Louis Blanc, o qual afirmava que a sociedade deveria ser reativa às iniciativas do governo, diz Bastiat: "Este será o caso, enquanto os seres humanos se considerarem a si mesmos como sensíveis, mas passivos, incapazes de melhorar, por inteligência própria e por energia própria, sua prosperidade e sua felicidade, permanecendo reduzidos a esperar tudo da lei. Em uma palavra, enquanto os homens imaginarem que sua relação com o estado é a mesma que existe entre o pastor e seu rebanho, tudo permanecerá como está."

*Rodrigo Castanho é associado do IFL-SP e formado em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo. Atuou como gerente de produtos em grandes bancos, como diretor de operações de market place de groceries/ food services e fundou recentemente uma startup para democratização de seguros

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