Rodrigo Spada e Bruno Gouvêa Bastos*
17 de junho de 2020 | 03h00
As formas excepcionais de pagamentos de créditos tributários referentes ao ICMS, os denominados “Refis”, sempre suscitaram dúvidas sobre sua natureza. Seria um mecanismo que favorece inadimplentes e sonegadores? Ou se constituiria em um instrumento que permite o recolhimento de dívidas passadas dos contribuintes, que, na prática, seriam incobráveis?
O fato é que, cada vez mais, os Estados da Federação utilizam-se deste mecanismo de obtenção imediata de receitas tributárias, promovendo anistias fiscais em intervalos de tempo muito curtos (por vezes, anualmente). Em situações normais (sem a existência de crise econômica aguda), a frequência de muitos Refis com espaçamento breve de tempo acaba por desestimular o bom pagador de tributos, devendo esta prática ser evitada.
No entanto, o momento econômico atual, vivenciado no Brasil e no mundo, em razão da pandemia do coronavírus, nos leva a considerar que a sobrevivência das empresas e a manutenção dos empregos dependerão, mais do que nunca, de apoio governamental.
Reconhece-se, assim, que um possível “Refis-covid do ICMS” poderia ser uma forma de evitar a penalização de quem atrasou o recolhimento de tributos para sobreviver ao coronavírus, inclusive para o pagamento de salários, ao mesmo tempo que minimizaria a queda de arrecadação sofrida pelos Estados. Entretanto, este tipo de Refis deve ter características peculiares, que o diferenciem dos programas tradicionais de anistia implementados pelos Estados.
Elencamos alguns fatores fundamentais a serem considerados na implantação de um Refis-covid por parte dos Estados da Federação, sem ter a pretensão de esgotar o tema:
Aplicação somente para pagamento de juros e multa, não atingindo o crédito tributário principal.
Abrangência dos fatos geradores somente a partir de março de 2020, data de início da crise econômica do coronavírus no Brasil.
O estabelecimento de um termo final para fatos geradores abrangidos pelo Programa ainda dependerá de quando cada segmento, em cada Estado, irá se recuperar.
Definição em cada Estado dos setores econômicos que foram mais afetados com a crise, com escalonamento da redução de juros e multa, em função deste fator, de forma a beneficiar mais os segmentos que sofreram maior retração econômica.
Redução maior de juros e multa para micro e pequenas empresas.
No caso de débitos parcelados, concessão de um desconto ainda maior de juros e multa para aqueles contribuintes que assumirem o compromisso de não reduzirem seu quadro de funcionários durante a vigência do parcelamento, enquanto existir esta condição.
Aplicação do Programa exclusivamente para débitos declarados pelo contribuinte ao Fisco, cujos valores não foram recolhidos em razão de inadimplência, ou parcelamentos anteriores não pagos.
Aplicação exclusiva a contribuintes que possuam um histórico de adimplência com o Estado.
Necessidade do contribuinte beneficiário na modalidade parcelamento de débitos manter-se adimplente com suas obrigações tributárias futuras, durante a vigência do parcelamento, sob pena de perda do benefício
O modelo tradicional de Refis, sem distinguir o perfil dos contribuintes beneficiários, a exemplo do recentemente proposto pela Câmara dos Deputados para dívidas federais (que, diga-se de passagem, concedeu uma anistia para “débitos futuros”), não nos parece ser adequado, podendo gerar inadimplência futura e injustiça fiscal, beneficiando empresas que se utilizam do parcelamento de dívidas com o Fisco como política de planejamento tributário.
Já o Refis-covid estadual, da forma como acima proposto, além de consistir em um modelo mais justo de anistia tributária, é uma medida eficaz das Administrações Tributárias Estaduais no enfrentamento do impacto econômico e fiscal decorrente do coronavírus, resguardando empregos, salários e a sobrevivência dos contribuintes, apoiando pequenos e micro negócios e provendo as empresas de capital de giro.
*Rodrigo Spada é presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite) e da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp)
*Bruno Gouvêa Bastos é superintendente de Indústria, Comércio e Serviços da Secretaria de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso do Sul
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