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A necessária atualização das leis do teletrabalho no Brasil

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Por Fernando de Almeida Prado
Atualização:
Fernando de Almeida Prado. Foto: Divulgação

Até o ano passado, a existência de teletrabalho era algo muito pontual. As empresas tinham resistência de adoção de um home office mais relevante. O teletrabalho era marginal, era pequeno e, portanto, tanto os trabalhadores como os empregadores não tinham uma preocupação tão relevante com os termos de trabalho à distância. Mesmo os acordos coletivos que possuíam cláusulas sobre o trabalho em casa eram cláusulas muito singelas, muito superficiais. Entretanto, com a pandemia de 2020, o home office se tornou protagonista. Algumas empresas estão inclusive fazendo downsizing e oficializando a permanência do home office em grau maior ou menor pelos próximos anos. As empresas todas estão rediscutindo a utilização do espaço físico.

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Então, não é mais uma tendência e, sim, uma realidade. Como toda a realidade, tem pontos positivos e negativos. Então, dependendo da dinâmica pessoal, do trabalhador, é mais fácil ou menos fácil trabalhar em casa. O que eu tenho visto pela minha experiência é que a maior parte das empresas vai adotar, assim que acabar a pandemia, um modelo híbrido. Então, não é 100% presencial e tão pouco 100% remoto. Mas muitas atividades serão feitas de modo remoto.

E um dos efeitos desta mudança repentina na relação trabalhista é o crescente número de ações trabalhista que envolvem problemas no teletrabalho. Obviamente, a falta de tempo para as empresas e trabalhadores se adequarem e planejarem para as atividades remotas. De acordo com um levantamento realizados as Varas de Trabalho no país, os casos de trabalhadores reclamando das condições do trabalho em casa subiram de 46 entre março e agosto de 2019 para 170 no mesmo período de 2020. Apenas no mês de junho deste ano foram abertos 46 processos. Ou seja, um crescimento de 270%.

Esse números refletem que houve uma mudança do equilíbrio de uma forma de relação e algo que talvez seja vinculado nesse momento à pandemia. Algo que aconteceu é que os trabalhadores passaram a trabalhar em casa, principalmente pela política adotada do isolamento social e pelo temor do deslocamento no transporte público.

O home office na pandemia provocou um outro fenômeno que é o da constante extensão da jornada de trabalho. Então, aquele limite de 8h por dia de jornada acabou se transformando em jornadas mais longas de 10h, 12h, às vezes mais horas por dia. Até por força disso surgiram alguns projetos de lei no Congresso Nacional para que se permita o controle de jornada em home office. Atualmente, o teletrabalho é uma das formas que dispensa o controle de jornada.

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Assim, o trabalhador teoricamente tem que atender todas as demandas, ainda que ocupe mais de 8h, sem registrar em local nenhum que está avançando nesse horário. Então, do ponto de vista legal, é muito claro que não existe controle de jornada em home office e as demandas surgem exatamente por situações talvez de injustiça, porque as pessoas estão sendo demandadas muito além do que deveriam. Por exemplo, um trabalhador pode receber no mesmo dia demandas via aplicativo de mensagens pelo celular nas primeiras horas da manhã e nas últimas horas da noite.

Isso trouxe novamente a discussão ao direito de desconexão, que seria o direito de se desligar do trabalho, de parar, de pensar no trabalho, que é algo que ficou mais tênue em tempos de home office. Então, será que um trabalhador poderia receber horas extras numa situação em que o controle existe, é possível, seja pelo envio de e-mails, login em um sistema particular ou algo nesse sentido? Em algumas situações este controle pode acontecer, mas precisa ser legalizado para ser revertido em horas extras.

Um outro ponto sensível é que os acordos de home office passaram a ganhar protagonismo junto às negociações sindicais. Então os sindicatos, tanto patronais, como empresariais, perceberam que a regulamentação era muito singela e estão em busca de novos modelos de negociação, seja compensando o custo da adoção do home office pelos trabalhadores, seja pensando em formas de controle dessa jornada.

E uma última consequência do home office é que ele tornou o trabalho mais plano no seguinte sentido: diversas empresas estão abrindo o processo seletivo para contratar pessoas em qualquer lugar do Brasil e isso cria alguns problemas tanto de isonomia. Assim, trabalhadores muitas vezes realizando a mesma função, mas um em uma base territorial e outra em outra base, recebendo salários diferentes, até porque o custo de vida é diferente. Existe uma necessidade de ajuste sindical, porque esses trabalhadores têm bases sindicais diferentes e, portanto, benefícios sindicais diferentes. A competitividade no mercado de trabalho vai aumentar, talvez favorecendo locais de custo de vida mais barato e prejudicando ou desfavorecendo locais de custo de vida mais alto, como, por exemplo, São Paulo e outras capitais.

Portanto, é necessário discutir novas regras e uma atualização da legislação sobre o teletrabalho. O controle da jornada e a estrutura ergonômica para o trabalhador desempenhar suas funções de forma remota são questões que devem ser discutidas de forma breve. O Poder Legislativo precisa acelerar a tramitação dos projetos que atualizam a lei vigente sobre o tema. Caso nossos parlamentarem demorem muito para alinhar novas diretrizes para o home office, os números de processos na Justiça do Trabalho crescerão vertiginosamente nos próximos meses.

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*Fernando de Almeida Prado é advogado trabalhista, professor universitário e sócio-fundador do escritório BFAP Advogados

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