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A monetização do Refis

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Por Kleber Cabral
Atualização:
Kleber Cabral. Foto: Arquivo Pessoal

Há muito em comum entre as gigantes empresariais estabelecidas no Brasil. A começar por sua saúde financeira. Longe de manifestarem sinais de debilidade, esses grupos corporativos apresentaram ganhos expressivos em 2017 e 2018. No caso de uma gigante da indústria do petróleo, foi divulgado por esses dias lucro de R$ 10 bilhões no segundo trimestre deste ano, o que lhe permitiu distribuir Juros sobre o Capital Próprio no montante de 652,2 milhões de reais a seus acionistas, somente 15% dos quais irão para os cofres do Estado brasileiro, seu sócio maior.

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Já outra empresa, do setor financeiro, obteve um lucro líquido no ano passado superior a R$ 9 bilhões, o mesmo se verificou com a grandes corporações dos setores de bebida e de frigoríficos. Apesar da exuberância de seus demonstrativos contábeis e de sua folgada capacidade contributiva, todas elas igualmente deixaram de cumprir com seus deveres fiscais e com o país para aderirem mais uma vez aos programas de parcelamento tributário especial, conhecido por Refis. O que fizeram com a sobra de capital proveniente desses programas? Monetizaram seus créditos, como admitiu em comunicado ao mercado uma das maiores companhias de alimentos à base de proteína animal do mundo.

É evidente que os gestores dessas empresas, em particular as de capital aberto, vão mais do que de imediato aproveitar essa irrecusável oferenda entregue pelo governo de maneira a "preservar o melhor interesse da empresa e de seus acionistas", sob pena de serem responsabilizados por não cumprirem o que estabelece a Lei das SAs. Mas a tradição de usar as dívidas tributárias como fonte de lucro - situação para a qual os grandes contribuintes e as confederações empresariais que os representam exercem poderoso lobby -, bagunçou a ordem tributária de maneira a criar um ambiente econômico disfuncional.

Ao permitir que empresas altamente lucrativas parcelem seus débitos com a Receita Federal em condições supervantajosas, o governo destrói o princípio da capacidade contributiva. Esse instrumento de "justiça fiscal", previsto na Constituição, pode ser entendido como a capacidade que o contribuinte possui de pagar tributos sem comprometer seus meios de subsistência. Como demonstrado que os grupos aderentes ao Refis gozavam de plena saúde contábil, aptas a recolherem com patriotismo os impostos federais, cai o argumento de que o programa de parcelamento teve o propósito de auxiliá-los em agudo momento de dificuldade financeira resultante de hipotética crise macroeconômica.

A questão central está precisamente no fato de que esses contribuintes - justamente os de maior capacidade contributiva na casa dos milhões e bilhões de reais - não precisavam desse benefício que impactou diretamente o depauperado caixa da União (conforme estudos da autoridade tributária, a renúncia de receita dos últimos três programas foi de R$ 175 bilhões) com suas repercussões no custeio da administração pública e na execução de politicas públicas nas áreas básicas de que o Brasil precisa: saúde, educação, moradia, saneamento básico e segurança pública.

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Esses programas de parcelamento - mais de 40 nos últimos 18 anos -, não apenas aniquilaram o fundamento de isonomia tributária, violando os interesses do Estado de tributar as manifestações de riqueza, como provocou um desequilíbrio entre os agentes econômicos, colocando em situação de vantagem concorrencial somente as empresas que rentabilizam seus débitos tributários.

Se alguém ganha, alguém perde. Muita gente perde, porque no final das contas, na ponta da corda está o povo brasileiro, em particular os 52 milhões de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza e os 13 milhões de brasileiros que não encontram recolocação no mercado de trabalho. Não é possível mais que o chefe de Estado continue sendo a extensão dos interesses dos acionistas das grandes corporações. Aos candidatos que concorrem à vaga de presidente da República, a moralização ou a extinção do Refis deve estar no horizonte de suas plataformas de governo.

*Kleber Cabral, auditor fiscal, é presidente da Unafisco, Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal.

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