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A monetização do lixo reciclável e a securitização do Recicla+

Por Augusto Simões
Atualização:
Augusto Simões. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Logística reversa é a área da logística que trata do fluxo físico de produtos, embalagens ou outros materiais, desde o ponto de consumo até o local de origem. Ela se caracteriza por um conjunto de ações, procedimentos e meios destinados a viabilizar a coleta e a restituição dos resíduos sólidos ao setor empresarial, para reaproveitamento, em seu ciclo produtivo, além de outras destinações finais ambientalmente adequadas.

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Atualmente, a quantidade mínima que uma empresa precisa legalmente comprovar em relação à logística reversa de embalagens é de 22% de toda a massa de embalagens por ela comercializadas no ano de referência. No entanto, a meta é progressiva e, de acordo com as diretrizes da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), esse percentual deverá aumentar para 45% até o ano de 2031.

A monetização deste lixo reciclável é proporcionada pelos créditos de reciclagem, que podem ser emitidos através de entidades certificadoras. O processo para emissão destes créditos ocorre da seguinte maneira: (i) o consumidor descarta o resíduo no lixo reciclável; (ii) os coletores de lixo coletam os resíduos pós-consumo; (iii) esses resíduos são destinados para uma central de triagem; (iv) após a triagem, esse material é vendido para um reciclador; (v) no momento da venda, é emitida a nota fiscal, que lastreia a emissão do crédito de reciclagem.

O crédito de reciclagem incentiva financeiramente a formalização e a estruturação dos atores da cadeia de reciclagem, a partir do apoio jurídico e consultoria prestada às centrais de triagem por entidades como a Eureciclo. Adicionalmente, o crédito de reciclagem funciona como um incentivo financeiro, que torna a cadeia dos diferentes tipos de recicláveis mais atrativas economicamente, facilitando esforços e ações de triagem e reciclagem.

Com o advento do Decreto 11.044/2022, que criou o Recicla+, os certificados de créditos de reciclagem foram regulamentados. De maneira prática, os créditos de reciclagem asseguram que um percentual equivalente às embalagens comercializadas pela empresa foi encaminhado à reciclagem. A partir da nota fiscal eletrônica emitida pela venda de recicláveis, estes operadores poderão solicitar o Recicla+. Ele é a garantia de que os produtos sujeitos à logística reversa foram restituídos ao ciclo produtivo.

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Ao invés de montar uma estrutura própria de coleta de resíduos pós-consumo, as empresas poderão alternativamente adquirir o certificado de crédito de reciclagem, garantindo que o peso equivalente do mesmo material ganhou destinação ecologicamente correta. Espera-se que essa monetização do lixo fomente o desenvolvimento de uma economia genuinamente verde, gerando benefícios socioambientais reais, pois uma renda adicional é repassada às centrais de triagem do material reciclável e, destas centrais, para as associações dos catadores e catadoras.

Para que esta conquista ganhe escalabilidade máxima, acreditamos que o novo Marco Legal da Securitização (MP 1.103/2022) poderá embasar a emissão de Certificados de Recebíveis de Reciclagem (CRR+), cujo lastro sejam os direitos creditórios do Recicla+. Abre-se, desta forma, a possibilidade de constituição de regime fiduciário e de criação, pelas companhias securitizadoras, de patrimônio separado em benefício dos investidores em Recicla+, que hoje se aplicam apenas aos Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e aos Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA).

De qualquer forma, pelo Anexo I da Resolução CVM nº 60/2021, que trata dos CRIs, há a possibilidade de se atrelar os créditos de reciclagem a créditos imobiliários, caso aqueles sejam totalmente destinados a projetos sociais voltados para moradias populares dos "sem -teto". De forma análoga, o Anexo II da Resolução CVM nº 60/2021, que trata dos CRAs, abre a possibilidade de se atrelar créditos de reciclagem a direitos creditórios do agronegócio, caso aqueles sejam totalmente destinados a projetos sociais voltados para o fomento à produção rural dos "sem-terra".

Se, pelas estimativas governamentais, mais de um milhão de agentes de reciclagem poderão ser beneficiados com o Recicla+, com a securitização deste direito creditório o número de beneficiados poderá ser aumentado substancialmente. A securitização do Recicla+, ao antecipar os recebíveis dos créditos da reciclagem, permitirá que as associações de catadores utilizem os recursos destes créditos não apenas para a aquisição de bens de consumo, mas também para a aquisição de bens de capital e de produção.

A securitização aumentará a capilaridade de ativos verdes por todo o mercado de capitais. Quaisquer fundos, quaisquer empresas, poderão adquirir os CRR+ e, desta forma, não apenas cumprir com suas metas de logística reversa, quando aplicáveis, mas também cumprir com indicadores de políticas em environmental, social and governance (ESG), para os efeitos da Resolução CVM nº 59/2021.

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*Augusto Simões, advogado das áreas de Direito Público e Mercado de Capitais do KLA Advogados

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