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A matemática da pensão alimentícia: quando 30% de zero não é zero

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Por Flavia Panella Monteiro Martins
Atualização:
Flavia Panella Monteiro Martins. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A tragédia humanitária trazida pela pandemia de Covid-19 que já se estende por mais de um ano, não se limita às centenas de milhares de vítimas fatais no Brasil e no mundo. A crise econômica consequente das necessárias medidas de contenção da doença se tornou um desafio para a Justiça mensurar o impacto na vida de quem paga pensão alimentícia e, principalmente, na vida daquele que, por ser incapaz, necessita da pensão.

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A alta taxa de desemprego verificada no último ano, fechada com média de 13,5%, a maior já registrada desde o início da série histórica em 2012, somado ao exponencial aumento do número de divórcios, em que só no segundo semestre de 2020 contabilizou 43,8 mil processos, segundo levantamento do Colégio Notarial do Brasil -- Conselho Federal (CNB/CF), número 15% maior em relação ao mesmo período de 2019, fez com que muitas pensões alimentícias fixadas em porcentagem sobre o salário daquele que presta alimentos e descontadas diretamente na folha de pagamento, simplesmente deixassem de ser pagas. No entanto, a responsabilidade de quem presta os alimentos não deixa de existir, e nem mesmo a necessidade de quem os recebe.

É um tanto comum para advogados atuantes na área de Direito de Família ouvir de clientes que, por não estarem mais trabalhando registrados, o cálculo para a fixação de um novo valor de pensão alimentícia baseada em porcentagem de rendimentos poderia ser feito espontaneamente com base na sua atual renda, inclusive acreditando que se sua renda passou a ser zero, a pensão será em um total de zero: o famoso e famigerado bordão "30% de zero é zero"

A pensão alimentícia pode ser fixada com base no salário mínimo vigente (ou outro índice anual de reajustes), em um valor fixo e que será reajustado conforme esse parâmetro ou em porcentagem em cima dos vencimentos de quem tem registro em carteira de trabalho, sendo que em qualquer dos casos, para que haja uma revisão do que foi estabelecido e homologado em sentença, aquele que presta os alimentos deve buscar fazer a prova de que sua situação não lhe possibilita pagar mais o valor fixado, no entanto, quando se fala em pensão alimentícia fixada por porcentagem, surge a matemática convencional na cabeça de quem paga a pensão alimentícia e muitas vezes, o pagador sequer busca o poder judiciário para fazer uma revisão.

Para alguns alimentantes, a idéia de estar sem renda comprovada por um registro em carteira de trabalho, logo faz com que assumam uma posição de que nada estão devendo e simplesmente passam a pagar valor fixo menor, de acordo com sua própria avaliação em acordos por WhatsApp sem validade jurídica, ou até mesmo não efetuam o pagamento, acreditando que em caso de Execução de Alimentos poderão usar em sua defesa a lógica matemática convencional, não tão lógica quando se trata de alimentos.

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Essa matemática não é aplicada por juízes e nem mesmo endossada pelo Ministério Público, atuante nos casos como um fiscal da lei, uma vez que tratando-se de interesses de menores, não há disponibilidade dos pais em dizer por conta própria quanto acham que devem pagar de pensão alimentícia.

Se o alimentante não regulariza a pensão alimentícia ao ter uma mudança de trabalho ou até mesmo de renda que efetivamente comprove sua incapacidade financeira, fazendo tais provas através de uma Ação de Revisão de Alimentos, corre o risco de sofrer uma Execução de Alimentos e ser condenado a pagar a diferença (caso esteja pagando valor menor que o fixado) ou até mesmo a totalidade do valor que havia sido fixado anteriormente e para tanto, tem-se utilizado como base de cálculo o último valor efetivamente pago.

Portanto, se a pensão alimentícia havia sido fixada em 30% dos rendimentos e o alimentante não ingressar com um pedido de revisão devidamente homologado judicialmente e não por e-mail, telefone ou WhatsApp, onde deverá provar uma efetiva mudança em seus rendimentos para alterar a porcentagem fixada em sentença ou buscar um novo valor fixo, será considerado o último valor pago pelo alimentante, que facilmente é provado através dos três últimos valores líquidos depositados em conta daquele que recebe os alimentos.

O não pagamento da pensão alimentícia em sua totalidade ou a redução drástica do valor sem a apreciação do Poder Judiciário, acontecendo de maneira informal e sem uma avaliação da real situação financeira de quem presta os alimentos, vitimiza aqueles que estão em estado de necessidade, pois se tal matemática fosse aceita, os alimentados, neste caso, especificamente os filhos, poderiam ser colocados como última opção na lista de prioridades de quem presta os alimentos.

Infelizmente, essa situação não é incomum na nossa sociedade. A falta de planejamento familiar, o desemprego e até mesmo a indiferença parental em relação aos filhos quando se tem um novo relacionamento, coloca muitas vezes os mais vulneráveis em segundo plano na hierarquia de prioridades, como se fosse possível passar a priorizar qualquer outra coisa na vida em detrimento dos filhos que, por óbvio, não são descartáveis como uma roupa que não se quer mais.

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Uma eventual redução na capacidade financeira de quem presta os alimentos deve sempre ser apurada e tal apuração não é feita pela simples alegação de desemprego e aplicando-se a matemática convencional, sendo que em muitos casos, para preservar os direitos dos incapazes, exige-se comprovações diversas, como declarações de imposto de renda, extratos bancários e até quebra de sigilos, não sendo suficiente a simples apresentação da baixa no contrato de trabalho, pois considera-se o patrimônio e o real padrão de vida conquistados pelo alimentante.

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Portanto, a simples falta de registro em carteira de trabalho, não torna evidente que houve uma mudança na situação financeira de quem presta os alimentos, devido as inúmeras estratégias existentes para a blindagem patrimonial, tornou-se cada vez mais difícil a comprovação objetiva da capacidade financeira de quem presta os alimentos, sendo que juízes passaram a observar outras fontes de renda, a condição financeira privilegiada, bem como os sinais exteriores de riqueza, sendo empregada a Teoria da Aparência, em conformidade com o Enunciado 573 do STJ.

*Flavia Panella Monteiro Martins é advogada especialista em Direito de Família e Sucessões

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