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A 'maquiagem verde' do governo e as mudanças no Ministério do Meio Ambiente

Por Carlos Bocuhy
Atualização:
Carlos Bocuhy. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A prática do greenwashing ("maquiagem verde" utilizada por governos, empresas etc.) é um engodo que distorce os fatos e retira a transparência em matéria ambiental. A recente história da humanidade tem abrigado exemplos da má política, com elaborados embustes verdes que tiveram efeitos devastadores.

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É de conhecimento público os casos de acobertamento governamental e empresarial protagonizados pelo setor petrolífero, indústria do tabaco e de produtores de substâncias que foram tardiamente banidas, como os poluentes orgânicos persistentes.

O greenwashing tem pernas curtas. É um voo de galinha que não se restringe apenas ao setor produtivo. É também um artifício do qual se valem os gestores públicos para passar a boiada. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) vem alardeando uma reestruturação interna de sua estrutura, com a alegação de melhorar a gestão.

Dirigido pelo ministro Ricardo Salles e com o aval do presidente Jair Bolsonaro, o fato é, por si só, preocupante. O histórico anterior de discursos negacionistas do clima, as manifestações de simpatia por mineradores; os mecanismos para a suspensão das multas ambientais; as ações para manter a integridade dos bens de contraventores como tratores e outros maquinários utilizados para cometer crimes ambientais; a supressão da participação social na área ambiental, o descaso com a normatização ambiental e os organismos de fiscalização já acenderam, há muito tempo, luzes de alerta dentro e fora do Brasil.

É especialmente preocupante a mudança proposta para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Em manifestação elaborada pelos servidores de carreira do MMA, por meio de sua associação, a Ascema, fica clara a intenção do ministro: " O sr. Salles argumenta que cria agora uma secretaria para cuidar das 334 Unidades de Convervação federais, sendo que o Brasil possui, desde 2007, um órgão gestor federal, ICMBio, com mais de 1.700 servidores (sendo mais de 1.400 da carreira de especialista em meio ambiente), capacitados e com experiência na área, voltados exclusivamente para a gestão das unidades de conservação federais e espécies ameaçadas. Retirar as atribuições desse órgão e passá-las para uma secretaria específica do MMA significa uma concentração de poder e um futuro de incertezas", afirma o documento.

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Além disso, dizem os servidores, chama a atenção o destaque dado para a "gestão" das UCs federais sendo que "cabe ao MMA a coordenação do Sistema de Unidades de Conservação - SNUC (Lei n. 9.985/2000) como um todo e não a gestão específica das UCs federais. Desse modo, cabe ao MMA articular e promover políticas públicas para a gestão de 2.446 UCs, entre federais, estaduais e municipais e Reservas do Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs)".

A proposta de Ricardo Salles de reestruturação do ICMBio não contou com consulta interna ou externa. Foi por decreto. A gestão participativa institucionalizada no Brasil conta com salvaguardas constitucionais que garantem plena participação social, de forma que nenhuma alteração estrutural como esta poderia ocorrer sem amplo debate público, ouvidos os setores especializados, da sociedade civil e da ciência.

Trata-se aqui de alterações substanciais em uma instituição que foi criada por meio de demanda pública, dentro do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), estruturada tecnicamente para implementar importantíssima e estratégica agenda preconizada pela Política Nacional do Meio Ambiente. Essa consolidação ocorreu passo a passo, com justificativa e motivação claras, além da perspectiva de aprimoramento em seu sistema de gestão. Sua ligação com o Sistema Nacional das Unidades de Conservação (SNUC) faz desta agenda a pedra angular para a proteção das diferentes biomas, florestas e da maior megabiodiversidade do planeta.

Assim como estão preocupados os técnicos do Sisnama, há uma incerteza generalizada dentro da sociedade civil. A "embalagem verde" da reestruturação contida no decreto de Ricardo Salles, que se declarou recentemente sintonizado com a implementação de mecanismos para a passagem da boiada, deve de fato preocupar não só os técnicos de carreira, mas também a ciência, as organizações sociais que têm estimulado essa agenda, assim como o Ministério Público.

Para prevenir engodos, será preciso fechar a porteira e solicitar a abertura de uma ampla consulta pública, onde a perspectiva de uma nova forma de fazer política pública para o setor seja ampla e democraticamente demonstrada e debatida, sem justificativas reduzidas à mera e simples captação de recursos cujas possibilidades, especialmente relacionadas à Amazônia, foram abandonadas pelo MMA, de forma conflituosa, desde o início do ano passado.

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*Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam)

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