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A luz no fim do túnel sobre os distratos de compra e venda de imóveis

Boom imobiliário do final da década de 2000 e crise econômica a partir da década de 2010: os valores relativos aos distratos e devoluções de vendas podem ser deduzidos das bases de cálculos do IRPJ e da CSLL apurados, respectivamente, na forma do lucro presumido e do resultado presumido, bem como PIS e Cofins. O mesmo se aplica ao RET

Por Marcelo Valença , Raquel Laudanna e Danilo Leal
Atualização:

Marcelo Valença, Raquel Laudanna e Danilo Leal. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A indústria da construção civil residencial no Brasil funciona através de um ciclo que consiste no pré-desenvolvimento imobiliário financiado com recursos próprios dos incorporadores (Family&Friends, inclusive). Tal ciclo ocorre, basicamente, nas seguintes fases: depois de adquirido o terreno e aprovado o projeto, é feito o lançamento do empreendimento, seguido das vendas e construção de futuras unidades habitacionais. Junto com isso, eventualmente, ocorre o financiamento à construção por entidades financeiras aos incorporadores (empréstimo ponte ou plano empresário); e repasse, pelo incorporador, às instituições financeiras, dos compradores em financiamentos de longo prazo quando da conclusão dos projetos (empréstimo de longo prazo direto ao comprador final). Existem vários sistemas que cuidam disso: SFH, SFI, "Minha Casa, Minha Vida".

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A venda das futuras unidades habitacionais durante a construção é feita por um instrumento chamado de compromisso ou promessa de venda e compra (PVC). De maneira simples, o comprador, mediante pagamento do sinal e das parcelas, compra um pouquinho de seu futuro apartamento toda vez que pagar ao incorporador. Aí, quando o apartamento é entregue, o saldo devedor continua sendo financiado pelo incorporador ou é desembolsado pela instituição financeira ao incorporador, e o comprador, por sua vez, vira mutuário da instituição. Neste caso temos o financiamento.

E quando o PVC dá errado na crise? Algumas perguntas vêm à tona.

O sinal e as parcelas são um pouquinho do futuro apartamento que é comprado. Quando do final da construção, há naturalmente um saldo que será pago pelo financiamento. O que acontece se o comprador não tem mais recursos para pagar as parcelas? O que acontece se o comprador não tem mais crédito ao final da construção para entrar em um financiamento? O que acontece se a futura unidade habitacional que valia R$ 1 milhão em 2012 passa a valer R$ 600 mil em 2018?

É justamente neste ponto que a nova legislação relativa ao distrato traz reflexos para os incorporadores.

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As principais causas para a realização do distrato são: (a) inadimplência do comprador porque não tem recursos para pagar as parcelas; (b) condições inviáveis oferecidas para o financiamento; (c) descasamento entre o valor financiado e o valor atual de avaliação da unidade habitacional concluída; (d) desistência sem motivo; (e) descumprimento contratual pela incorporadora.

Nesses casos, o comprador teria que devolver ao incorporador o pouquinho do apartamento que ele comprou com o sinal e as parcelas; e o incorporador, por sua vez, retoma o apartamento para revendê-lo no mercado. Mas e as consequências das causas?

A Lei do Distrato (Lei 13.786/18) basicamente diz o seguinte, para quando o PVC der errado na próxima crise: (a) quando o comprador decidir realizar o distrato imobiliário e a futura unidade imobiliária estiver no regime de afetação (patrimônio separado do incorporador), o pagamento da multa pelo comprador equivale à retenção de 50% do valor pago; (b) quando não há patrimônio separado do incorporador, o percentual da multa será de 25% aplicado no valor pago; (c) o prazo para a restituição dos valores pelo incorporador ao comprador varia entre 30 dias da finalização da construção do prédio ou 180 dias do distrato, dependendo de ter ou não patrimônio de afetação; (c) a multa moratória devida pelo comprador limitada a 2%; (d) o comprador perderá integralmente os valores pagos com comissão de corretagem. Isto só vale para PVCs assinados a partir de janeiro de 2019.

Já para os PVCs que sofrem os impactos da crise atual, mas foram celebrados em data anterior a janeiro de 2019, a jurisprudência dominante determina que não se aplica a Lei do Distrato, conforme decidido pela 2.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ao julgar recursos repetitivos que tratam das penalidades contra as incorporadoras em caso de atraso na entrega do imóvel (temas 970 e 971). Nestes casos, tem sido definido pela jurisprudência que o valor para retenção deve corresponder a, no máximo, 25% sobre o valor pago, e, caso a culpa seja do incorporador, dever ser aplicado o ressarcimento total (portanto, sem qualquer retenção).

A novidade sobre os distratos dos PVCs da crise é a Solução de Consulta 150 - Cosit de 7 de maio deste ano. Os valores relativos aos distratos e devoluções de vendas cujo montante supera o total das receitas dos respectivos períodos de apuração, podem ser deduzidos das bases de cálculos do IRPJ e da CSLL apurados, respectivamente, na forma do lucro presumido e do resultado presumido, bem como PIS e Cofins na forma do regime cumulativo. O reconhecimento deve ser feito a partir do mês do distrato ou da devolução, em conformidade com os regimes de caixa ou competência, sem impedimento para seu uso em períodos subsequentes. Se tais valores forem referentes a períodos anteriores, poderão ser deduzidos em períodos seguintes a sua apuração. O mesmo se aplica ao RET.

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Eu outras palavras, o que for devolvido em excesso aos compradores nos distratos poderá ser abatido da base de cálculo dos impostos devidos pelo incorporador nas vendas seguintes, ainda que os incorporadores optem pelo lucro presumido ou o RET. Trata-se de um alento para os incorporadores que atualmente estão sofrendo com os PVCs da atual crise.

*Marcelo Valença, sócio responsável pela área de Operações Imobiliárias do ASBZ Advogados

*Raquel Laudanna, sócia da área Imobiliária do ASBZ Advogados

*Danilo Leal, sócio da área Tributária do escritório ASBZ Advogados

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