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A licença-prêmio e a lei dos super salários para servidores

Repousa silenciosamente na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6.726/2016 que regulamenta o limite remuneratório de servidores públicos municipais, estaduais e federais. Oriundo do Senado Federal, a proposta trata de uma nobre missão. No entanto, pela importância e delicadeza nas relações travadas entre Estado e servidor/agente/membro, o debate deveria ser ampliado, até para que o mesmo seja, de fato, fruto da vontade popular.

Por Adovaldo Dias de Medeiros Filho
Atualização:

Nessa necessidade de melhor avaliação está o trecho que tem por objetivo dar a resposta legal ao conceito de rendimento, para fins de aplicação do teto remuneratório. Nesse ponto, o projeto não andou bem, em especial quanto ao dispositivo que trata da licença-prêmio convertida em pecúnia em razão da não fruição na atividade, agora considerada como rendimento, em descompasso com o seu caráter verdadeiramente indenizatório.

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Para que essa premissa se torne verossímil, é necessário fazer a reconstituição histórica do direito à licença-prêmio e a sua situação atual. Pelo Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Federais, a implementação do direito se dava após cada quinquênio ininterrupto de exercício, com a concessão de três meses de licença por assiduidade, com a remuneração do cargo efetivo e, no caso de falecimento de servidores, os valores eram convertidos para beneficiários da pensão.

A lei era silente sobre diversos pontos que se revelam importantes para a controvérsia que ora se verifica: a licença é direito subjetivo, oponível à Administração a qualquer tempo ou somente pode ser gozada de acordo com a conveniência? O seu caráter, quando convertido, é indenizatório ou remuneratório? Quais as hipóteses de conversão? Apenas em caso de morte? Ou a aposentadoria gera direito à conversão?

Diante de tais omissões, coube à jurisprudência dos tribunais pacificar o entendimento acerca do reconhecimento do caráter indenizatório, de acordo com a sua intrínseca relação com o enriquecimento sem causa, uma vez que afastar o direito à conversão significa concluir que a Administração fez uso das atividades do seu servidor e não o remunera quando de sua saída para a inatividade, atribuindo, para si, aquele valor, o que é vedado pela legislação civil.

Entretanto, em 1997, por força da Lei 9.527, a licença-prêmio, no âmbito federal foi substituída pela licença para capacitação. Com efeito, por força do direito adquirido, os que alcançaram tal direito deveriam receber tais valores, com a efetiva conversão, no momento de aposentadoria.

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O próprio STJ já afirmou a hipótese de conversão por necessidade do serviço e não apenas por morte, a ensejar a conclusão de que a licença não gozada, quando da inatividade, deve ser convertida, mantendo-se o seu caráter indenizatório, de modo a não incidir tributação por acréscimo remuneratório e nem o teto do artigo 37 da Constituição Federal.

Especificamente no Distrito Federal, vigorou até dezembro de 2011 o texto original da Lei 8.112/90. Era o que determinava a dicção do artigo 5º da Lei Distrital nº 197/1991. Dessa forma, a análise acima contempla o direito adquirido dos servidores distritais até a edição de seu regime jurídico próprio, ocorrida em 2011, que não só manteve o direito à licença-prêmio, como declarou expressamente o seu caráter indenizatório, garantindo aos servidores estaduais o direito à licença-prêmio, bem como à conversão dos períodos não gozados. E a lei de regência declarou, de forma expressa, o seu caráter indenizatório, após hígido processo legislativo.

Voltando ao projeto de lei que repousa na Câmara, sua redação original continha proposição que limitava a quantidade de meses reconhecidamente indenizatórios. Tal dispositivo já estava eivado de vícios.

Observe-se que o processo legislativo deve se pautar pelos princípios que orientam à Administração Pública. Isso é consequência lógica da atuação parlamentar, que não pode se afastar das regras gerais. Não é possível validar um dispositivo que, sem indicar qualquer fundamento razoável, indica que a licença-prêmio convertida tem caráter indenizatório limitado, tão somente, ao período de seis meses.

A coisa ficou ainda pior quando, em sede emenda do senador José Aníbal (PSDB/SP), que fora aprovada por unanimidade, o caráter indenizatório da licença-prêmio foi afastado. Com isso, o texto do projeto incluiu, como parcela remuneratória, a licença-prêmio, convertida em pecúnia, sob a justificativa desarrazoada que se trata de forma indireta de remuneração, afastando decisões judiciais consolidadas, que reconhecem o caráter indenizatório da licença-prêmio, bem como afasta dispositivo de lei em vigor, com motivação absurda.

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Ao proceder assim, o Senado optou por reconhecer o caráter remuneratório da licença-prêmio convertida em pecúnia, algo incompatível com a realidade material. A não fruição do direito não decorre da vontade exclusiva do servidor, mas por vezes, por indeferimento do pleito pela própria Administração ou pelo interesse do serviço. E ainda que o fosse, a lei vigente, ao menos no Distrito Federal, não estabelece exigências nesse sentido.

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O projeto atual, além de ser incompatível com a legislação em vigor, encerrará na institucionalização, por via legal, do enriquecimento sem causa da Administração, porquanto deterá a parte do somatório de períodos de licença não gozada que extrapole o teto remuneratório local, mesmo possuindo notório caráter indenizatório.

Tal regulamentação não pode ser feita com base em suposições. O caráter indenizatório da licença-prêmio convertida é de clareza solar. Afastá-lo, sob o clamor popular de combate aos supersalários, evidencia a atuação casuística dos parlamentares, sob justificativa risível de forma indireta de remuneração.

A remuneração possui nítida ligação com o serviço prestado e a sua contraprestação. A licença-prêmio por assiduidade "premia" o servidor, e não por outra razão tem esse nome, a perceber a remuneração sem a necessidade de comparecer ao serviço para prestar atividade. Caso seja obrigado a comparecer e prestar os serviços, por qualquer razão, é certo que receberá a sua remuneração.

O caráter indenizatório se revela justamente na medida em que a Administração, independentemente da motivação, não prescinde das atividades desenvolvidas pelo servidor e, ao final de sua carreira, o indeniza por isso, já que o direito não é subjetivo e oponível a qualquer tempo. Desnaturar esse caráter significa, a não mais poder, a institucionalização, pasme-se, por via legal, do enriquecimento sem causa.

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É óbvio que a sociedade clama por critérios específicos para a aplicação do teto. Mas, se for para despertar no sentido de afastar direitos claros, sob argumentos juridicamente insustentáveis, melhor que o projeto repouse mais, a ponto de amadurecer o debate. Caso contrário, muitos servidores serão prejudicados, porquanto por um passe de mágica, aquilo que era indenização deixará de ser, a ensejar o enriquecimento estatal às custas do trabalho de seu servidor.

*Adovaldo Dias de Medeiros Filho é advogado integrante do Grupo de Pesquisa de Servidores Públicos e sócio do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados.

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