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A liberdade econômica e a sociedade limitada unipessoal

A Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, introduzida no cenário legislativo brasileiro pela medida provisória 881 e convertida para a Lei nº 13.874 de 20 de setembro de 2019, foi assinada com o intuito de oferecer maior liberdade à atividade empresarial, rompendo com travas burocráticas que desencorajavam os empreendedores brasileiros e afastavam o investimento estrangeiro.

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Por Cauê Batista de Oliveira
Atualização:

Para além da proteção à livre iniciativa e ao livre exercício da atividade econômica, instituídos pela Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, a medida visa reduzir o papel interventor do Estado nas relações empresariais, uma clara manifestação dos ideais econômicos defendidos pela Escola de Chicago, linha adotada pelo atual governo brasileiro em diversas frentes.

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Uma das maiores novidades sobre o assunto diz respeito à criação da sociedade limitada unipessoal. A discussão em relação à unipessoalidade das sociedades não é novidade. Trata-se de um assunto que já é discutido no Brasil e no exterior há muito tempo. O cerne desta discussão sempre residiu na autonomia patrimonial para o exercício das atividades econômicas desenvolvidas pela empresa.

Assim, havia duas situações: de um lado, os empreendedores individuais, que exerciam suas atividades sem a proteção que a autonomia patrimonial confere ao empresário, comprometendo todo o patrimônio para o exercício da atividade econômica. De outro lado, estavam os empresários que constituíam sociedades empresárias limitadas e se associavam a sócios meramente de direito, ou seja, um familiar que apenas assinava como um sócio para compor a pluralidade de sócios, um requisito essencial para a constituição das sociedades empresárias.

Quando a Lei nº 12.441/2011 apresentou a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), ficou clara a opção do legislador para a criação de nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado sem que ela fosse uma sociedade, tal como reconhecido pelo nosso Código Civil. Esse modelo tinha evidente inspiração no estabelecimento mercantil individual de responsabilidade limitada, existente no direito português.

No entanto, a entrada de mais esta pessoa jurídica não resolveu o problema do trabalho informal. A exigência de um capital social mínimo no valor de 100 vezes o salário mínimo se mostrou um impeditivo para que este tipo societário se espalhasse pelo Brasil, sendo uma barreira ao acesso do microempreendedor à formalidade.

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O resultado prático que se evidenciou foi que, mesmo após a criação deste tipo societário, os empreendedores continuaram adotando a sociedade limitada, resolvendo o problema da pluralidade de sócios com um sócio meramente de direito, para se livrar do requisito do capital social mínimo, ou a informalidade.

Neste contexto, a Declaração de Direitos da Liberdade Econômica apresentou a sociedade limitada unipessoal. Qualquer pessoa física ou jurídica pode constituir este tipo societário, que traz uma série de vantagens em comparação com os demais.

Vantagens ante o empresário individual

O empresário individual não se configura como uma pessoa dotada de personalidade jurídica. Isso implica que possa assumir obrigações diretamente e que dívidas contraídas possam afetar seus bens pessoais. A sociedade limitada unipessoal é dotada de autonomia patrimonial e, ao ser constituída, adquire patrimônio próprio distinto daquele do sócio, e dedicado exclusivamente para o exercício da atividade econômica.

Vantagens ante empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI)

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A sociedade limitada unipessoal não exige capital social mínimo. O sócio é livre para decidir o valor que aportará na sociedade de início, sem a necessidade de integralização imediata. Em contrapartida, o capital social mínimo necessário no caso de uma EIRELI atua como limitador do seu desenvolvimento no país.

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A criação da sociedade limitada unipessoal e o seu caráter evidentemente liberal tornou dispensável a existência da EIRELI. O legislador, apesar de não tê-la extinto completamente, fez com que EIRELI caia em total desuso e que empresas deste tipo se transformem, aos poucos, em sociedades limitadas unipessoais.

Sociedades limitadas: unipessoal X comum

A sociedade limitada unipessoal não é um tipo societário novo, mas representa a possibilidade de se utilizar de um já existente, a sociedade limitada, com um único sócio. Portanto, todas as regras previstas no Código Civil para este tipo societário podem ser aplicadas para a sociedade limitada unipessoal.

Desta forma, a principal preocupação do empreendedor diz respeito à possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, instituto jurídico capaz de remover a proteção dada pela autonomia patrimonial e atingir o patrimônio do sócio para satisfazer dívidas da sociedade, especialmente quando evidentes os casos de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial entre o sócio e a sociedade.

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A criação da Sociedade Limitada Unipessoal é vista com otimismo pelo mercado por potencializar a abertura de novos negócios, favorecer a criação de empregos e promover a entrada de recursos estrangeiros para investimentos.

Esses objetivos vão ao encontro de outro ponto positivo da legislação aprovada no último dia 20 de setembro: a extinção de alvarás para atividade de baixo risco. Isso vai reduzir os custos das empresas que executam atividades que não oferecem risco para as pessoas ao redor, ao ambiente e tampouco aos trabalhadores envolvidos.

Por fim, a Sociedade Limitada Unipessoal é uma ótima notícia principalmente para as startups. Estas, pelo modelo ultrapassado de constituição de empresas que seguiam, encontravam dificuldades ao tentar implementar novos negócios, tanto em função dos gastos iniciais como pela burocracia excessiva dos órgãos públicos em vigor até então, abrindo um novo capítulo para o empreendedor. Um cenário mais animador para quem conta, no início, somente com a capacidade intelectual e a vontade de empreender.

*Cauê Batista de Oliveira, especialista em direito societário e sócio do Zilveti Advogados

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