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A Lei de Drogas e a superpopulação carcerária

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Por Mário de Magalhães Papaterra Limongi
Atualização:

Logo após a crise nos presídios brasileiros com repetidas rebeliões no começo do ano, de maneira quase consensual, elegeu-se, como principais vilões e responsáveis pela superlotação, a prisão provisória- vista como desnecessária- e a Lei de Drogas- vista como excessivamente rigorosa.

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O censo penitenciário realizado por determinação do Conselho Nacional de Justiça aos Tribunais de Justiça Estaduais e do Distrito Federal, ao apontar o tráfico de drogas, superando o roubo, como a principal causa de encarceramento provisório- vinte e nove por cento- parece ter dado razão ao consenso, máxime levando-se em conta que o número total de presos provisórios corresponde a um terço da população carcerária do Brasil.

É de se observar, em primeiro lugar, que o fato de ser o tráfico de drogas responsável pela maior parcela de presos, definitivos e provisórios, não surpreende.

O Brasil, a exemplo de outros países, fez a opção pela repressão.

Ora, basta acompanhar o noticiário, constatar o crescimento do tráfico, o poder paralelo que acarreta e o número cada vez mais elevado de usuários para se entender a razão do crescimento de presos por infração à Lei de Drogas.

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Entre as críticas feitas à legislação em vigor- Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2016- está o fato de não distinguir, com precisão, o usuário do traficante e punir com excessivo rigor o pequeno traficante.

Evidentemente, diante do dinamismo da questão, não é razoável a manutenção de uma legislação a respeito de drogas por mais de uma década.

Hoje, respeitáveis homens públicos- políticos, operadores do direito e médicos, entre outros- defendem a descriminalização da conduta de quem é apenas usuário, além de advogar que drogas leves possam ser legalizadas, assim como o álcool e o cigarro.

A discussão, impensável há anos atrás, justifica-se porque o modelo atual, com pouca preocupação com a prevenção e voltado preferencialmente à repressão, não tem sido eficaz, na medida em que o consumo de drogas só aumentou.

A discussão é bem-vinda, com a ressalva de que a questão, por sua complexidade, comporta amplo debate entre os países de América do Sul. A descriminalização isolada de um só Estado, diante da existência de países vizinhos produtores de droga, pode trazer maiores problemas do que soluções.

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Seja como for, não me parece que a atual legislação, embora deva ser aperfeiçoada, mereça todas as críticas que lhe são endereçadas.

Ao contrário do que reiteradamente se afirma, o usuário não cumpre pena privativa de liberdade.

Há diferença de tratamento entre quem é surpreendido com droga destinada a entrega a consumo de terceiros de quem porta droga para uso próprio.

O artigo 28 da Lei é claro ao determinar que o usuário - assim definido como quem adquire droga, guarda, tem em depósito, transporta ou traz consigo, para consumo próprio-, será submetido a tratamento alternativo (advertência sobre os efeitos da droga, prestação de serviços à comunidade, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo).

Assim, quando se diz que um usuário está preso, seja provisória ou definitivamente, está se dizendo também que a lei foi interpretada de maneira equivocada.

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O que ocorre, com frequência é que usuários, até para manter o vício, também se dediquem ao comércio, pelo que são, afinal, apenados com cinco anos de reclusão, em regime inicial fechado (pena mínima para o traficante- artigo 33 da Lei de Drogas).

Há quem sustente que a lei deveria estabelecer uma quantidade para se diferenciar o usuário do trafica.

A meu ver, ainda que a lei desça a detalhes, caberá ao juiz, na análise do caso concreto, definir se o agente é usuário ou traficante.

De outro lado, ainda que de maneira tímida, a Lei de Drogas trata de maneira diferenciada o verdadeiro traficante, cuja conduta vem descrita no artigo 33, caput, e o pequeno traficante, o chamado "mula", a quem é possível a aplicação de uma considerável redução de pena- um sexto a dois terços.

Com efeito, ao réu primário que não pertença a organização criminosa, o traficante eventual, a lei permite um tratamento menos rigoroso (o problema, de difícil solução, se apresenta quando se trata de réu reincidente, já beneficiado anteriormente com a redução).

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A hipótese, prevista no § 4º do artigo 33, é conhecida por tráfico privilegiado e tem merecido do Supremo Tribunal Federal tratamento menos repressivo.

Assim é que o Supremo considerou inconstitucional a norma que impedia a conversão da pena privativa de liberdade, no caso de tráfico privilegiado, em restritivas de direitos.

Da mesma forma, em reiteradas decisões, o Supremo Tribunal Federal considerou o tráfico privilegiado crime comum e não hediondo.

Diante destas decisões, é possível se afirmar, sem necessidade de mudança legislativa, que réus primários, ainda que presos em flagrante delito, podem e devem responder seus processos em liberdade, sendo possível também que réus condenados tenha suas penas substituída por penas alternativas.

Não se nega que alguns juízes e mesmo algumas câmaras julgadoras não se animam a acompanhar a posição do Supremo Tribunal Federal.

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No entanto, esta posição mais liberal me parece irreversível, uma vez que uma das principais funções dos tribunais superiores é a uniformização da jurisprudência.

Mais que isso, irreversível e correta e, com certeza, poderia diminuir consideravelmente a população carcerária feminina.

Não se trata de minimizar a gravidade do tráfico de drogas.

Trata-se apenas de separar o joio do trigo (expressão que, por motivos nada nobres, está na moda).

A pena mínima de cinco anos de reclusão, em regime inicial fechado, deve ser reservada ao traficante pernicioso, o gerente do nefasto comércio, infelizmente raramente identificado.

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Aos demais, sem prejuízo da continuação do debate sobre o tema, com a devida aplicação da legislação já em vigor, seguindo a jurisprudência já consolidada no Supremo Tribunal Federal, a prisão deve ser evitada.

*Mário de Magalhães Papaterra LimongiProcurador de Justiça

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