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A 'lei da liberdade econômica' e a responsabilidade de sócios e administradores

Sancionada no último dia 20 de setembro, a lei 13.874/19, denominada "Lei da Liberdade Econômica", tem como principal foco garantir o princípio constitucional da livre iniciativa e desburocratizar a atividade comercial dos pequenos e médios empreendedores, ampliando, assim, a eficácia e o alcance do artigo 170 da Constituição Federal de 1988.

Por Ricardo Cerqueira Leite
Atualização:

De acordo com o Índice de Liberdade Econômica (Index of Economic Freedom), criado pela Heritage Foundation - que classifica e mensura o grau de liberdade econômica de 186 países -, o Brasil ocupa a 150ª posição no ranking mundial, sendo considerado um país "Mostly Unfree", o que significa, a grosso modo, "majoritariamente não livre". Ou seja, nada atraente a investidores e empreendedores. O índice avalia 12 categorias de liberdade econômica, incluindo liberdade comercial, eficácia judicial, integridade do governo, carga tributária, liberdade de investimento e direitos de propriedade, entre outros. A explicação da fundação norte-americana: "o governo federal inchado e excessivamente centralizado do Brasil esmaga a liberdade econômica há décadas".

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Por este ângulo, a nova lei é um incentivo ao empreendedorismo ao alterar diversas normas, desde a esfera empresarial, cível e administrativa à trabalhista e tributária. Trata-se de uma mudança de paradigma em relação ao modelo de generalizado controle administrativo existente no Brasil, de certa forma discricionário, que cobra dos investidores tempo e dinheiro em prejuízo do dinamismo e da competitividade da economia.

Além deste aspecto, há outro ponto que merece ser destacado na nova legislação: a consolidação do princípio da autonomia patrimonial entre os bens dos sócios e administradores em relação aos bens da sociedade empresária. Embora esse princípio seja reconhecido no ordenamento jurídico brasileiro, o uso desenfreado da desconsideração da personalidade jurídica com o objetivo de alcançar os bens pessoais de sócios e administradores acabou comprometendo essa autonomia.

Em termos práticos, na hipótese de a sociedade devedora não conseguir liquidar seus débitos, bastaria um mero requerimento da desconsideração da personalidade jurídica para que o magistrado determinasse a penhora dos bens dos sócios, bloqueio de contas pessoais e assim por diante.

A nova lei oferece bons argumentos para que o uso indiscriminado dessa prática possa cessar. A teoria da desconsideração da pessoa jurídica surgiu no direito anglo-saxão e passou a ser conhecida como Disregard doctrine ou Piercing the corporate veil. Por essa teoria, em caso de abuso da pessoa jurídica, fraudes e confusão patrimonial a personalidade jurídica da sociedade é afastada de forma episódica de modo que os credores possam alcançar o patrimônio das pessoas físicas que estão vinculadas à direção da empresa.

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Em sua origem, portanto, a teoria previa mecanismos de defesa dos interesses do credor, mediante demonstração do abuso, da fraude e da confusão patrimonial. Porém, conforme mencionado acima, a prova dos requisitos ensejadores da desconsideração deixou de ser requisito essencial para a sua aplicação, bastando mero requerimento ao magistrado, quando não determinação de ofício, sem qualquer requerimento.

Esse risco iminente de responder com bens pessoais por débitos da empresa é, sem dúvida, um fator inibidor ao empreendedorismo. No entanto, o artigo 7 da "Lei de Liberdade Econômica" trouxe mudanças relevantes que protegem o empreendedor.

Primeiramente, é necessário que o administrador ou sócio da pessoa jurídica tenha sido beneficiado direta ou indiretamente pelo abuso. Além disso, o novo texto legal passou a prever como desvio de finalidade a utilização de forma dolosa da pessoa jurídica com o propósito de prejudicar o credor ou para práticas ilícitas de qualquer natureza. Dessa maneira, é necessário provar o dolo ou ilicitude por parte do sócio.

O artigo reformulado pela nova Lei definiu, ainda, por meio de conceitos objetivos o que se entende por confusão patrimonial prevista no caput. De acordo com o texto do artigo, esta confusão ocorre quando há ausência de separação de fato entre os patrimônios caracterizados por: cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Além disso, o simples fato de existir um grupo econômico não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica, devendo os requisitos previstos no artigo serem preenchidos. Por fim, a lei também prevê que não se entende por desvio de finalidade a "mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica".[1]

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Parece-nos que a nova legislação oferece um terreno fértil para se opor a decisões que de maneira discricionária possam desconsiderar a personalidade jurídica. A autonomia patrimonial ganha aliado importante no ordenamento jurídico e por via de consequência oferta maior segurança jurídica a quem decide empreender no Brasil.

*Ricardo Cerqueira Leite, especialista em direito empresarial

 

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