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A Lava Jato, a Receita e a nova fase da repatriação de ativos

Nos últimos dias ganhou as manchetes a notícia de que um investigado pela Operação Lava Jato teria usado o (indevidamente) chamado "Programa de Repatriação" para regularizar dinheiro oriundo de propinas que teria recebido quando atuava na Petrobras.

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Por Sylvio César Afonso
Atualização:

Em que pese o fato de o caso ainda estar sendo investigado e a força-tarefa que comanda a referida operação ter anunciado que pretende "abrir a caixa-preta" do programa, é preciso esclarecer como o sistema funciona e a quem ele se destina. Sobretudo agora em que está vigendo uma nova fase do regime.

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Antes de mais nada, cabe destacar que o programa não é, necessariamente, de "repatriação", mas de "regularização" de ativos não declarados no exterior, já que após a regularização não há obrigatoriedade de repatriar o dinheiro. O objetivo é regularizar ativos mantidos no exterior, que não tenham sido declarados às autoridades fiscais brasileiras, concedendo algumas vantagens, mas, também, impondo multas. A principal vantagem é ter o dinheiro regularizado sem sofrer as sanções penais previstas para quem mantém dinheiro irregularmente no exterior.

O regime especial, contudo, não se destina, evidentemente, a regularizar a situação de quem tenha obtido o dinheiro de maneira ilícita. A lei que instituiu o RERCT é clara neste sentido e há mecanismos para evitar isso. Se alguém tentar burlar o sistema, não será difícil, como no caso aqui mencionado, identificar a tentativa de fraude.

Agora, com a nova fase do programa, há que se ter ainda mais rigor na verificação de dados e na observância dos critérios para que se possa aderir corretamente ao regime especial.

A Instrução Normativa nº 1704/2017, que reabriu a nova fase do Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), foi publicada no Diário Oficial da União em 03/04/2017. Como no primeiro "programa de repatriação" (2016), as pessoas que resolverem aderir ao RERCT deverão preencher a Declaração de Regularização Cambial e Tributária (DERCAT) até o dia 31 de julho de 2017, através do sistema da Receita Federal (eCAC).

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A sistemática desta nova fase do programa de repatriação é a mesma já consolidada no programa de 2016. Contudo, os percentuais referentes a multa e ao Imposto de Renda devidos foi alterado passando a ser de 15% e 20,25%, respectivamente.

Desta forma, o percentual efetivo cobrado para a regularização (multa e Imposto de Renda) passa a ser de 35,25% -- o que representa um aumento em relação ao primeiro programa instituído originalmente já que, na ocasião, era exigido um percentual de 30% (15% de multa + 15% de Imposto de Renda).

Neste ponto nos parece bastante coerente o aumento deste percentual cobrado por uma questão de isonomia em relação às pessoas que resolveram aderir antecipadamente na primeira fase do programa.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que agora os espólios abertos até a data da adesão poderem requerer diretamente a regularização dos ativos. No programa original havia uma restrição temporal para os espólios, já que somente os abertos até a data do fato gerado poderiam aderir ao programa. Esta medida se faz necessária, já que, em muitos casos, principalmente os abertos recentemente, não conseguiam aderir ao programa, apesar do desejo dos herdeiros nesse sentido. A partir de agora, se o processo sucessório for aberto até a adesão ao programa de repatriação, o espólio poderá realizar a regularização dos recursos que estavam irregularmente alocados no exterior.

Quanto à parte criminal, a nova fase do programa tratou dilatar também a extinção da punibilidade. No primeiro programa de repatriação havia a extinção da punibilidade de crimes para fatos ocorridos até o final de 2014. Agora, tal benefício se estende até a data da adesão.

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Diante de todas as alterações e evoluções, um dos principais pontos é a nova data de câmbio de referência para a conversão dos valores em moeda estrangeira, pois agora a data base é 30 de junho de 2016, ou seja, a taxa de câmbio de R$ 3,21. Tal alteração no marco temporal para travamento do câmbio representará um aumento relevante nos ônus que deverá ser suportado pelas pessoas que desejarem fazer a regularização de recursos e ativos, visto que a taxa anteriormente utilizada era a de R$ 2,66.

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Ainda assim, esta segunda fase do programa é um caminho bastante interessante e atrativo para as pessoas físicas ou jurídicas que mantêm recursos de forma irregular no exterior, visto que a regularidade dos recursos perante a Receita Federal é elemento essencial para que os donos destes ativos possam ter condições de utilizar estes recursos dentro do território brasileiro.

Dentro dessa sistemática, apesar das alterações, os benefícios em relação às sanções e multas (tanto tributárias quanto criminais) devem ser considerados com o seu devido peso, além do impacto financeiro que estes podem ter na economia individual destas pessoas.

Vale lembrar, ainda, que programas similares foram adotados por diversos outros países e agora, mais que nunca, com a troca global de dados e informações, é necessário que tudo esteja devidamente declarado. *Sylvio César Afonso é advogado e contabilista, mestre em Direito Tributário pela PUC/SP, auditor pelo IBRACON e conselheiro do Conselho Municipal de Tributos de SP

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