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A isenção de dividendos é modelo de política fiscal e não benefício fiscal

Por Renato Souza Coelho
Atualização:
Renato Souza Coelho. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Os valores distribuídos pelas pessoas jurídicas brasileiras aos seus sócios a título lucros e dividendos são isentos de tributação desde 1996, quando entrou em vigor o artigo 10 da Lei nº 9.249/1995.

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Passados 25 anos dessa regra isentiva, a conveniência da sua manutenção tem sido objeto de legítimo questionamento, mas, notadamente no nível político, argumentos de ordem ideológica e, em certas ocasiões, populista, colocam em xeque o alegado benefício fiscal.

Existe uma questão retórica, ou baseada meras percepções, no sentido de que os sócios de pessoas jurídicas brasileiras foram agraciados com o benefício fiscal da isenção sobre os dividendos recebidos. Essa seleta faixa da população seria um grupo privilegiado de empresários ou acionistas em geral, quando comparado com a grande parte da população de assalariados, trabalhadores autônomos e o funcionalismo público.

A análise sobre a existência de um benefício fiscal para esse grupo de pessoas deve ser feita de forma técnica, sem viés ideológico ou defesa de interesses setoriais.

A escolha pela isenção dos dividendos feita pelo legislador em 1996 não está relacionada com a concessão de benefício fiscal para os sócios das pessoas jurídicas. Ela decorre, essencialmente, da adoção de um dos possíveis métodos existentes para eliminar ou mitigar o efeito da dupla tributação econômica da renda, tema até hoje objeto de muito estudo e controvérsia em todo o mundo.

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A dupla tributação econômica da renda decorre da distribuição, para os sócios, de um lucro que já foi tributado pela pessoa jurídica. Muito embora, do ponto de vista jurídico, a personalidade dos sócios e da empresa não se confundam, fato é que, sob a perspectiva estritamente econômica, o fluxo financeiro é um só. Os valores recebidos a título de dividendos nada mais são que montantes líquidos do que já foi tributado na pessoa jurídica. Sob a perspectiva econômica, a empresa nada mais é que o capital aplicado pelas pessoas físicas e envolto em uma roupagem jurídica de entidade, sujeita a direitos e deveres próprios. Qualquer ônus ou bônus decorrente do capital aplicado nas pessoas jurídicas será, fundamentalmente, das pessoas naturais.

É exatamente em razão dessa unicidade do fluxo econômico oriundo do resultado auferido pelas pessoas jurídicas e distribuídos aos seus sócios que existe, em vários países, alguns modelos de tributação da renda empresarial com métodos de integração da renda da pessoa jurídica com o acionista.

Embora com subdivisões, os modelos existentes de tributação da renda podem ser assim resumidos: (i) tributação concentrada nos acionistas; (ii) tributação concentrada nas pessoas jurídicas; ou (iii) tributação tanto na pessoa física quanto na pessoa jurídica.

  • Tributação concentrada nos acionistas

No modelo de tributação concentrada nos acionistas pessoas físicas, muito comumente utilizado nos regimes de partnerships, não há tributação da renda no nível das pessoas jurídicas. Essas empresas são consideradas transparentes para fins fiscais, de forma que o acionista pessoa física considera os rendimentos recebidos pela pessoa jurídica como próprios e os tributa com base no regime fiscal a ele aplicável.

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As principais vantagens desse modelo são a total eliminação da dupla tributação econômica da renda e a equidade entre os indivíduos, pois todos são tributados de acordo com o valor da renda auferida, independente da sua natureza (i.e., renda do capital ou do trabalho).

  • Tributação concentrada na pessoa jurídica

Esse é o modelo de integração adotado pelo Brasil desde 1996. Ele concentra toda a tributação da renda no nível das empresas e desonera totalmente - por meio do método da isenção - os dividendos recebidos pelos acionistas.

Trata-se de política fiscal escolhida pelo legislador dentre outros métodos possíveis para eliminar a dupla tributação econômica da renda.

A escolha do método de integração por meio da concentração dos tributos sobre a renda no nível das pessoas jurídicas e isenção para os acionistas não está livre de críticas. Essa técnica não endereça, ao menos de forma adequada, uma equidade entre sujeitos que auferem o mesmo valor de renda, mas com naturezas distintas (i.e., dividendos e trabalho); ou entre sujeitos que auferem renda da mesma natureza (dividendos), mas com valores distintos.

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De qualquer modo e sob qualquer perspectiva, nossa intenção é apenas reforçar que a escolha desse método de isenção não pode ser considerada concessão de um favor fiscal, na medida em que as pessoas físicas arcam, sim, mas por meio de suas empresas, com o ônus da tributação sobre o lucro da pessoa jurídica.

  • Tributação tanto na pessoa jurídica quanto na pessoa física

No modelo de tributação da renda tanto no nível da pessoa física quanto da pessoa jurídica, geralmente denominado "modelo clássico", a incidência do imposto recai tanto sobre o acionista quanto sobre a empresa. O lucro auferido pela empresa é tributado pelo imposto de renda da pessoa jurídica e, quando distribuído sob a forma de dividendos, há nova incidência de imposto de renda, mas agora tendo como sujeito passivo o acionista.

Nesse modelo tributação de renda há algumas alternativas para eliminar, ou ao menos mitigar, o efeito da sua dupla tributação econômica, tais como (i) a possibilidade de compensar (total ou parcialmente) o tributo devido pelos acionistas com aquele que foi pago sobre o lucro auferido pela pessoa jurídica - imputation system; (ii) calibrar/reduzir a alíquota da tributação dos dividendos de forma que, ao final, o ônus financeiro suportado pelo sócio seja equivalente à tributação de rendimentos de outra natureza; (iii) dedução dos dividendos como despesa pela fonte pagadora; (iv) dentre outros.

Assim, em qualquer dos métodos de tributação da renda descritos, fica evidente que, sob a perspectiva econômica do acionista, o que importa é o retorno dado pelo seu capital aplicado na pessoa jurídica. Os valores investidos podem ser tributados somente na pessoa jurídica, apenas na pessoa física, ou em ambos - isso deveria ser indiferente, desde que o retorno sobre o capital aplicado seja o mesmo.

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Não há, portanto, qualquer benefício fiscal para o acionista meramente em decorrência do método de isenção. Possíveis alterações na política de isenção dos dividendos podem e devem ser analisadas, mas para endereçar os seus efeitos sobre a equidade entre os contribuintes e a competição tributária internacional.

*Renato Souza Coelho, bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bacharel em Economia pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Pós-graduado em Direito Tributário pela PUC-SP. LL.M em Direito Tributário Internacional pela Leiden University, Holanda. Sócio-fundador do Stocche Forbes Advogados

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