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A injúria racial

Circula nas redes sociais um vídeo de uma discussão envolvendo dois homens brancos e um entregador negro, que trabalha para aplicativos de serviços de alimentação. Chamam a atenção as ofensas racistas e classistas que um deles dispara contra o entregador. "Você tem inveja disso aqui", diz, apontando para a própria pele.

Por Rogério Tadeu Romano
Atualização:

O caso aconteceu em um condomínio de casas em Valinhos, no interior de São Paulo. Na ocasião, um dos homens, trajando a blusa azul, diz estar pedindo para o motoboy ir embora daquele local, mas que ele teria se negado.

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"Você tem inveja disso aqui (do condomínio), você tem inveja dessas famílias, você tem inveja disso aqui (da minha cor). Você nunca vai ter", diz o homem, em tom agressivo. O motoboy, identificado apenas como Mateus, mantém a calma durante toda a discussão.

Nas imagens, é possível ver o homem ofendendo o motoboy: "Moleque, você tem inveja disso aqui", diz ele, apontando para a cor da sua pele. "Você nunca vai ter!", completa, em tom agressivo, antes de chamá-lo de "analfabeto".

O caso envolve o crime de injúria preconceituosa.

Com a injúria é atingida a honra subjetiva (sentimento que cada pessoa tem a respeito do seu decoro ou da dignidade). Exige-se, como tal, o dolo específico como elemento do tipo.

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Se a injúria consiste no emprego de elementos preconceituosos ou discriminatórios relativos à raça, cor, etnia, religião ou origem, há uma injúria com preconceito. A introdução desse parágrafo ao artigo 140 do Código Penal, pela Lei nº 9.459/97 é extremamente louvável, objetivando combater o preconceito racial e religioso em geral, algo que é contrário, inclusive, à índole e tradição brasileiras. A sanção cominada (igual à do homicídio culposo, artigo 121, § 3 do Código Penal) é alta, com reclusão de um a três anos e multa.

O Anteprojeto do Código Penal previu a injúria preconceituosa ou injúria qualificada, num conceito mais amplo do que o atual (artigo 138,§ 2º do Anteprojeto) se a injúria consiste em referência à raça, cor, etnia, sexo, identidade ou opção sexual, idade, deficiência, condição física ou social, religião ou origem. Aqui, o ideal, é a que a previsão legal seja, pelo menos, de ação penal pública condicionada, como se vê da Lei 12.033/09, em que as ações penais nos crimes de injúria qualificada por discriminação passaram a ser de natureza pública condicionada (à representação da vítima). Pela gravidade da conduta, a pena sobe de prisão de um a três anos.

A modalidade básica do crime é a ação livre, dolosa, sendo absolutamente irrelevante a circunstância de se tratar, como na espécie, de ofensa proferida no limitado âmbito de comunicação direta e imediata entre o agressor e a vítima.

O crime de injúria por preconceito consiste, já se tem decidido, em ultraje à outrem, por qualquer meio, em especial por palavras racistas e pejorativas, deixando-se patenteada a pretensão de, em razão da cor da pele, se sobrepor à pessoa de raça diferente (RT 752/504).

Para além de criar uma qualificadora do crime de injúria devido ao preconceito embutido na ofensa, aumentando a reprovabilidade da conduta mediante a previsão de uma pena mais rigorosa, operou o legislador um sistema mais severo para o xingamento preconceituoso, afastando-se o reconhecimento para essa conduta de infração de menor potencial ofensivo, de modo a trazer óbices à concessão de benefícios aos autores do fato que são oferecidos no Juizado Especial Criminal. Assim inviabiliza-se a transação penal, permite-se a prisão em flagrante e não mera lavratura de Termo Circunstanciado. Por certo, cabe fiança, como forma de contracautela à prisão cautelar que for realizada, nos termos da Lei.

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A partir da Lei nº 12.033/09, basta a simples representação para que a Autoridade Policial possa atuar na fase investigatória e o Ministério Público seja legitimado para ajuizar ação penal pública sem qualquer ônus para o ofendido.

No AREsp 686.965/DF, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a injúria racial deve ser considerada imprescritível, o que tem gerado diversas críticas por parte da doutrina.

Diverso é o crime de racismo.

O crime de racismo está previsto em lei especial, de 7.716/1989, já o crime de injúria racial, tem sua previsão no próprio Código Penal, no parágrafo 3º do artigo 140.

A principal diferença reside no fato de que o crime de racismo repousa na ofensa a toda uma coletividade indeterminada, sendo considerado inafiançável e imprescritível,

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Várias são as formas da prática do crime de racismo e a lei é exaustiva em estabelecê-las, conforme determina a Constituição Federal.

No crime de racismo, a ação penal é pública incondicionada, cabendo sua iniciativa, exclusivamente, ao Ministério Público, isto porque nesse crime o que se tem, é a ofensa, não a uma pessoa determinada, mas a toda uma coletividade, discriminando-a.

*Rogério Tadeu Romano, procurador regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado

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