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A infodemia da desinformação

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Por Jéssica Hayashi e Marília Baracat
Atualização:
Jéssica Hayashi e Marília Baracat. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Buscando por "infodemia" nos dicionários não encontramos este significado. Na era da informação com acelerada conectividade entre pessoas, máquinas e redes, há a necessidade de novos vocábulos para expressarem situações inimagináveis no final do século XX, mas que nos saltam aos olhos nos dias de hoje. Estamos diante de um neologismo que pode ser entendido com a epidemia de uma avalanche de informações simultâneas, compreendendo dentre estas, as notícias falsas.

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Nesse sentido, nos dias 1.º e 2 de abril de 2020, foram apresentados os Projetos de Lei 1429/2020 e 1358/2020, de idêntico teor, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, respectivamente, que instituem a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.

Esses projetos de lei buscam estabelecer diretrizes de atuação para provedores de aplicação em relação a contas inautênticas ("contas fakes"), disseminação de desinformação ("fake news"), conteúdos, anúncios online e propagandas políticas patrocinadas no Brasil, com o objetivo de: i) fortalecer o processo democrático por meio do combate à desinformação; ii) buscar transparência sobre conteúdos pagos disponibilizados para o usuário; e iii) desencorajar o uso de contas inautênticas para disseminação de desinformação nas aplicações de internet.

A justificativa para a necessidade de desencorajamento da disseminação de desinformação nas plataformas de aplicação faz referência ao poder e acessibilidade desempenhados por esses meios. Devido à rapidez com que uma "infodemia de desinformação" se propaga nas redes sociais, ela pode ser letal e nociva à saúde individual e coletiva, quando não baseadas em evidências científicas sólidas e fatos verídicos.

Neste contexto, os PLs mencionam que essa infodemia já impactou os resultados a serem alcançados até mesmo em campanhas de vacinação do governo (por divulgação de falsos conteúdos sobre sua segurança).Nesse sentido, a desinformação no atual contexto de crise da covid-19 também confunde e retarda ações importantes de prevenção e de controle do vírus, fazendo com que as pessoas se automediquem e adotem medidas de prevenção falsas que impedem a redução da curva de contágio.

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Por tais razões e entre outras, o texto apresentado estabelece deveres para as plataformas de aplicação que possuem receita bruta de R$ 78 milhões (total no ano-calendário), sob pena de sanções (advertência com indicação de prazo para adoção de medidas corretivas, multa de até 10% do faturamento da empresa, suspensão temporária das atividades e até proibição de exercícios das atividades no país), estabelecendo, ainda, recomendações de boas práticas e diretrizes a serem seguidas pelos provedores com receita bruta inferior e pelo poder público.

Neste passo, alguns dos deveres das plataformas de aplicação são os de proibir o uso de contas inautênticas, bots (robôs), conteúdos, anúncios online e propagandas políticas que disseminam a desinformação. Acrescenta-se a isso o dever de transparência em relação as providências tomadas, inclusive produzir relatórios periódicos com detalhamento de inciativas implementadas quanto ao tema.

As plataformas, quando notificadas a respeito de conteúdos potencialmente desinformativos, devem encaminhar as notificações para análise aos "verificadores de fatos independentes" em até 12 horas. Assim, caso o conteúdo seja considerado uma desinformação e havendo atingido um alcance significativo (visualização por mais de 5 mil pessoas), os provedores de aplicação devem implementar medidas para minimizar a disseminação do conteúdo, como: desabilitar os recursos de transmissão, rotular o conteúdo como desinformativo, mostrar o nome do criador original do conteúdo e diminuir ou eliminar a proeminência do alcance por meio de ajuste no algoritmo de visualização. Em resumo, para cada conteúdo de desinformação com alcance significativo as plataformas deverão compartilhar a correção sugerida pelos "verificadores de fatos independentes" objetivando atingir, no mínimo, o alcance inicial do conteúdo original e as pessoas atingidas originalmente.

No mais, os PLs estabelecem deveres específicos para os provedores de aplicação de mensagens instantâneas e atuação do poder público, também para os conteúdos patrocinados, anúncios online e propaganda política patrocinada.

Nota-se que os PLs buscam a responsabilização das plataformas de aplicação quanto aos conteúdos falsos publicados em sua rede, assunto este que, apesar de já ser abarcado por legislação própria de diversos países, ainda não encontra respaldo na atual legislação brasileira. Isso ocorre tanto pelos resguardos do Marco Civil da Internet (que possui um regime diferente, o da responsabilidade subjetiva por omissão do provedor que não retira o conteúdo ofensivo após a devida notificação judicial) como pela dificuldade de se definir o que é uma desinformação e a quem cabe julgá-la como tal.

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Vale mencionar que existem outros PLs apresentando diferentes soluções no legislativo sobre o fato da desinformação sendo que suas redações esbarram nas mesmas questões: a quem cabe julgar e analisar o que é uma desinformação? A liberdade de expressão não seria uma prerrogativa constitucional? Como a retirada e a responsabilização de conteúdo devem ser ponderadas? Como legislar sobre questões que envolvem tecnologia, adotar regras efetivas e ao mesmo tempo tentar ao máximo ser uma legislação tecnologicamente neutra para atender aos avanços da tecnologia?

Encontrar uma vacina que combata o vírus da desinformação é essencial na era da informação. Os PLs colocam na ordem do dia tema que desafia a vida saudável que todos queremos ter nas redes sociais. Acreditamos que a busca pela transparência na governança das plataformas, com políticas, termos de uso específicos e com os procedimentos a serem adotados nestes casos, são os vetores para uma sociedade digital que almeja viver com civilidade.

*Jéssica Hayashi e Marília Baracat, advogadas do escritório Di Blasi, Parente & Associados

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