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Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

A indulgência do Estado é a condenação do ofendido

Por Rodrigo Merli Antunes
Atualização:
Rodrigo Merli Antunes. FOTO: Arquivo Pessoal Foto: Estadão

Dias atrás, em Guarulhos, uma criatura demoníaca veio a matar a filha e a enteada, de 3 e 8 anos de idade, isso com o único e específico propósito de infligir na própria esposa um sofrimento atroz e exacerbado. De acordo com o apurado, a mulher se arrependeu de seus pecados e, de forma genuína, os confessou ao marido pouco depois de se batizar em uma igreja evangélica, aduzindo a ele ter sido infiel anos atrás com um colega de trabalho. O marido, por sua vez, apesar de decepcionado, aparentemente perdoou a esposa e chorou junto com ela, tendo ambos, na sequência, como forma de reconciliação, mantido até mesmo relações sexuais.

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Ocorre que o arrependimento e a sinceridade da mulher foram retribuídos da forma mais calhorda possível. Três dias depois, pela manhã, depois dela já ter saído para o trabalho, o sujeito decidiu então colocar em prática o seu plano vingativo. Para tanto, escolheu duas inocentes. Dirigiu-se ao quarto da filha e da enteada, carregou-as no colo ainda sonolentas até a sua cama e, uma por uma, asfixiou-as até a morte com o uso dos braços e de um travesseiro. Na sequência, posicionou-as abraçadas por sobre as cobertas e mandou uma mensagem de voz para os familiares, não só confessando os crimes, como ainda dizendo que, mais cedo ou mais tarde, mataria também os filhos do homem com quem sua esposa o traiu.

Segundo ele, a finalidade seria fazê-los sofrer da mesma forma que sofreu ao saber que fora traído. Pois bem, graças à atuação da polícia, o tal sujeito já foi localizado na cidade de Santos e reconduzido novamente a Guarulhos, local onde será processado e julgado por nós da Vara do Júri. Mas, as perguntas que ficam a partir de agora são as seguintes:

1) Que sanção penal um indivíduo desses merece? 2) Que pena final será que ele receberá aqui no Brasil? 3) Mesmo que seja condenado por décadas de prisão, será que realmente ficará custodiado por todo esse tempo?

Bem, creio que nem preciso responder, não é mesmo? Aqueles que me conhecem, sabem muito bem que sou defensor da pena capital para esses casos, aplicando-se ao assassino o mandamento bíblico contido em Gn 9:6, o qual, diga-se de passagem, nunca foi revogado ("Aquele que derramar sangue do homem, pelo homem terá o seu sangue derramado").

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Mas, como sabido, nossa Constituição Federal se considera mais santa que o próprio Criador, razão pela qual não admite a pena de morte, e nem tampouco a prisão perpétua, o que, convenhamos, é de se lamentar. Provavelmente, ao fim e ao cabo da respectiva ação penal (isso após termos que demonstrar que ele não é louco - afinal de contas, não rasga dinheiro e nem come fezes), o facínora em tela deverá receber, no máximo, uma pena por volta de 60 anos de reclusão, a qual, todavia, não será cumprida nem pela metade. Por essas bandas, onde o sistema só se preocupa com os direitos humanos dos criminosos, e não com os das vítimas, diz o Código Penal, em seu art. 75, que nenhum condenado poderá ficar preso por mais de 30 (trinta) anos.

Trocando em miúdos, é mais ou menos o seguinte: No Brasil, o sujeito delinque no atacado, mas acaba sempre respondendo no varejo. Coisas de terras tupiniquins, não é mesmo? Mas, aí, os "especialistas" de plantão surgem do interior de nossas universidades "humanistas" (estas mesmas que querem mais dinheiro para perverter nossos filhos) e passam a bradar aos quatro cantos que o encarceramento não pode mesmo ser maior do que isso, pois, afinal, a Carta Magna veda de modo peremptório as penas de caráter perpétuo. Engraçado, não?

Desde quando trinta anos é algo perpétuo? Se o sujeito delinquir aos 18 (dezoito), sairá da prisão com apenas 48 (quarenta e oito), tendo aproximadamente mais 30 (trinta) anos para continuar a cometer seus crimes livremente, haja vista a atual expectativa de vida do brasileiro. Mas, o mais curioso não é isso! Ora, se 30 (trinta) anos representam algo perpétuo, como é possível, então, exigir dos trabalhadores em geral esse mesmo tempo de serviço, ou até mais, para que venham a se aposentar? Impossível, não acham?

Com efeito, vivemos no país das incoerências e da bandidagem desenfreada. O legislador morre de dó dos facínoras em geral, mas não hesita um instante em exigir cada vez mais daqueles que nunca cometeram um delito. Creio, portanto, que é chegada a hora de mudarmos tudo isso.

Se, por enquanto, não é possível a pena de morte ou a prisão perpétua, ao menos o aumento do tempo máximo de detenção para 50 (cinquenta) anos seria medida de rigor, devendo o próprio preso, ou então seus familiares, custearem as despesas do cárcere durante o período de privação da liberdade. Afinal de contas, se o Estado não arca com os encargos do cidadão de bem e cumpridor de seus deveres, por que então essas verdadeiras bestas-feras podem gozar do contrário?

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Como dizia o saudoso desembargador Volney Corrêa de Moraes, ladeado pelo ainda brilhante Ricardo Dip, pouco dista da impunidade remeter autores de crimes de excepcional gravidade para cumprimento de sanções diminutas. A julgar procedente uma lide com receio e vergonha, preferível nos parece absolver com desfaçatez.

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Retribuir um mal injusto de maneira tímida, quando era o caso de estabelecer uma justa proporção entre a conduta e o resultado, é caso de escândalo, indignação e anátema, transmitindo-se uma sensação de que a Justiça existe apenas como farsa. Se a pena ou a medida retributiva não representar adequada reprovação e eficaz prevenção do crime, de modo a concretizar o princípio da suficiência, mais sensato então é abrir mão de sua aplicação, pois repugna à equidade esteja o agente de atos hediondos cumprindo obrigações extremamente parcas, enquanto as pessoas de bem se recolhem para dentro de suas casas com medo e receio dos assassinos que tomam conta das ruas.

Retribuição que o condenado não sente e a sociedade não vê é uma não retribuição, aberração esta que não pertence ao universo jurídico.

*Rodrigo Merli AntunesPromotor de Justiça do Tribunal do Júri de GuarulhosPós graduado em Direito Processual Penal

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