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A importância do olhar holístico para a mulher na saúde

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Por Flavia Deutsch Gotfryd
Atualização:
Flavia Deutsch Gotfryd. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Talvez, você que é marido, filho, e pai, não tenha notado que a saúde não foi feita e centralizada para o cuidado multidisciplinar daquela que você convive, daquela que te amamentou e te deu a vida e daquela que você cria. Historicamente, e com o passar do tempo, o nosso olhar foi treinado a ver que a "saúde alcança a todos", seja pelo sistema público ou privado. Porém, após alguns anos trabalhando nessa área e nascida no seio de uma família inteira formada por médicos, posso afirmar que essa visão é turva e não real.

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Acolhimento é ainda um mito e um dever de casa que vai muito além de práticas e manuais de humanização nos hospitais e clínicas. A verdade, nua e crua, é que o sistema de saúde não foi desenhado para a mulher. Nunca foi a prioridade, mesmo quando se carrega uma vida dentro, o começo de tudo. Depois de ouvir muitos relatos traumáticos e desoladores, posso afirmar, também, que é durante a gestação que as mulheres se sentem mais inseguras, desamparadas e sozinhas, ainda que possa ter uma rede de apoio por perto. O medo é constante e é a expressão mais sentida pelas gestantes. "Medo de não conseguir engravidar, medo de o bebê não estar bem, medo do parto". Estar desamparada nessa fase que é a mais especial e mágica para a mulher, é cruel. Ela se sente muito à deriva e não deveria ser assim.

Proporcionar que ela seja de uma vez por todas a protagonista dessa jornada e, sem medo, é dever dos profissionais da saúde, além de promover uma experiência positiva que marque sua vida para sempre ao invés de colecionar mais traumas. A mulher precisa estar no centro de todo o cuidado para que fique segura das decisões que precisa tomar. Mas, vivemos tempos que pedem mudanças urgentes. A pandemia exigiu e exige isso todos os dias. É preciso coragem!

Coragem para olhar a saúde da mulher como um todo. Posso ilustrar que a saúde não foi pensada para nós, mulheres, citando outros exemplo do dia a dia, como ainda se falar muito pouco sobre a maior causa de morte entre mulheres no Brasil: em 2019, foram cerca de 83,841 casos de infarto agudo do miocárdio ou outras doenças cardíacas, número quase cinco vezes maior ao de vítimas de câncer de mama que chegou a 18.068 óbitos no mesmo ano. Apesar disso, a maior parte das mulheres não sabe reconhecer os sintomas de um ataque cardíaco, pois os mais conhecidos são baseados em estudos com homens. A dor no peito durante o infarto em mulheres muitas vezes é descrita como uma pressão ou aperto - e não uma dor lancinante como popularmente conhecido. Outros sintomas do infarto no sexo feminino incluem suor excessivo, enjoo, falta de ar, cansaço inexplicável, desconforto abdominal, no pescoço, mandíbula, ombros ou na parte superior das costas. Infelizmente, esse não é caso isolado.

O autismo é outra condição que é mais difícil de ser diagnosticado em mulheres. Até recentemente acreditava-se que a taxa de homens para mulheres com autismo seria de 4-5:1, porém pesquisas recentes mostram que essa proporção seria de 3:1. O diagnóstico em mulheres é dificultado, dentre outras causas, por falta de participantes do sexo feminino em estudos sobre o transtorno do espectro autista. Apesar do progresso desde 1993, quando se tornou obrigatória a inclusão de mulheres e minorias em qualquer pesquisa de saúde financiada pelo governo americano, ainda há muito espaço a ser percorrido no que tange a inclusão da mulher na saúde.

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Oscilações endocrinológicas durante a vida da mulher, incluindo a puberdade, gestação e menopausa, foram relacionadas ao aumento de risco de depressão. Mulheres também metabolizam remédios de forma diferente do que os homens. Mesmo assim, menos de 45% dos estudos sobre ansiedade e depressão que foram conduzidos em animais incluíram fêmeas nos testes de laboratório.

Estima-se que 1,2 milhão de brasileiros tenham Alzheimer, e a prevalência da doença é praticamente o dobro em mulheres (a probabilidade de uma mulher desenvolver a doença aos 65 anos é de 1 em 6 estudadas, contra 1 em cada 11 homens na mesma faixa etária). Até recentemente, cientistas atribuíam essa estatística simplesmente ao fato de mulheres terem uma maior expectativa de vida. Apenas nos últimos anos começaram a questionar essa premissa, e as primeiras descobertas indicam haver relação com mudanças hormonais durante a menopausa e diferenças na conectividade cerebral e genes específicos ligados ao sexo.

Entretanto, apesar de mais mulheres participarem de estudos clínicos do que antes, elas continuam menos propensas a serem incluídas como parte desses estudos. Mesmo em estudos que envolvem mulheres, frequentemente os dados não são estratificados por gênero ou incluem informação sobre status hormonais ou outros fatores específicos por sexo. Ter dados claros de como medicamentos se comportam em mulheres e homens é muito importante, porque sabemos que os efeitos colaterais são diferentes por gênero.

Quando falamos de condições exclusivas a mulheres, como a endometriose, vemos que a saúde não está preparada para atendê-las. Cerca de uma em cada 10 mulheres possui a doença, porém segundo a Endometriosis Foundation of America são necessários cerca de 10 anos para que a mulher seja diagnosticada com essa condição. A falta de conhecimento sobre endometriose e a normalização da dor da mulher são ainda pouco esclarecidas. Os sintomas mais marcantes são as dores menstruais que, na maioria dos casos, são tidas como normais.

Como a saúde foi primariamente construída para e por homens, as necessidades da mulher, muitas vezes, não foram consideradas no processo de inovação, e por isso existe esse vácuo particular da saúde feminina e inovação no meio médico. As mulheres nunca estiveram no centro do sistema, e isso tem sérios impactos para a sociedade como um todo. É preciso unir tecnologia e uma experiência real focada na mulher, pois só assim haverá a transformação tão necessária na relação dela com a sua saúde e seu corpo.

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*Flavia Deutsch Gotfryd é cofundadora da Theia

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