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A hora do trabalho remoto

Enquanto processamos nossa tristeza pelo sofrimento da humanidade causado pela pandemia e nossa ansiedade pelo o que o futuro nos reserva, acredito que seja possível nos permitir inspirar com esse momento de transformação profunda. Para mim, uma das principais lições que aprendemos durante essa crise é que muitos negócios que antes depositavam sua força no espaço físico onde reuniam seus colaboradores podem ter sucesso sem ele. E isso pode não parecer grande coisa mas, acredite, é.

Por John Delaney
Atualização:

É tempo de reconhecermos o tamanho da oportunidade que esse momento apresenta e considerar, com coragem, o trabalho remoto (ou, distribuído). Acredito que devemos reconhecer o potencial desse modo de trabalho para empoderar as pessoas a viverem vidas mais alegres e completas, combater as mudanças climáticas, criar custos mais acessíveis em nossas cidades e revitalizar a economia rural. Esse é o momento para enxergar a experiência do trabalho remoto como uma opção permanente para nossos colaboradores, sempre que possível. E, mais do que isso, é preciso que nossos governos apoiem iniciativas como essas, investindo na infraestrutura necessária para que isso aconteça com êxito.

Com as experiências recentes, devido a pandemia, aprendemos que o caminho mira em uma forma de trabalho mais flexível e distribuída. E descobrimos que esse estilo de rotina profissional é, no mínimo, tão eficiente quanto o que exigia que os colaboradores fossem de casa ao escritório, diariamente.

John Delaney. Foto: Acervo pessoal

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E, considerando os benefícios ambientais, sociais e pessoais, sentimos que devemos nos mover nessa direção. Por isso, a partir de agora vamos liberar os membros do nosso time a escolherem se querem trabalhar do escritório ou de qualquer outro lugar. Encorajo as empresas a se unirem a nós nesse movimento da implementação permanente dessa forma de trabalho.

Antes da crise causada pelo COVID-19, quase nenhuma empresa de tecnologia havia vivenciado ter todos os times trabalhando remotamente, por um período tão extenso. Com essa experiência, a maioria delas percebeu que não precisava de uma equipe fisicamente presente para ter sucesso, apresentando uma performance excepcionalmente boa por parte dos times, durante a crise, apesar da transição meio repentina.

É verdade que o mercado tecnológico ainda precisa abordar muitas questões culturais importantes e lidar com grandes desafios para transformar o trabalho remoto em uma característica permanente, mas não vamos perder de vista o cenário maior aqui. Antes da crise, muitos de nós havíamos presumido que precisávamos transitar de casa ao escritório todo dia, para que nosso negócio prosperasse. E essa presunção simplesmente não se sustenta mais.

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Se o trabalho remoto é só uma questão de ganhos e perdas na produtividade do ponto de vista de negócio, suas consequências sociais são muito maiores. Vou citar agora alguns dados dos EUA para exemplificar, mas muito deles são aplicáveis também em outros países. Uma vez que 80% das pessoas que trabalham remotamente fazem isso de casa, o trabalho remoto significa, na maioria das vezes, de não se deslocar. E o deslocamento, hoje, é o que podemos fazer de pior ao meio-ambiente no nosso dia a dia. Nos EUA, a maior fonte de emissão de carbono é o transporte, especialmente os veículos que garantem o deslocamento diário. Apesar do esforço para promover o transporte público no país, 91% das pessoas que transitam para o trabalho todos os dias não o utilizam, e 77% deles dirigem sozinhas em seus carros.

Deixar de exigir que os colaboradores se desloquem todos os dias ao trabalho, portanto, terá um efeito muito importante na emissão de carbono do país, e o mesmo com certeza acontecerá em outros países onde os carros são um meio de transporte desproporcionalmente importante para a rotina profissional (como é o caso do Brasil). Esse fator, por si só, deveria incentivar as empresas a experimentar o trabalho remoto e distribuído. Nós temos pouquíssimas e raras oportunidades de mudar o comportamento humano na escala necessária para combater a mudança climática que vivemos hoje, e essa é uma delas.

Os potenciais ganhos dessa nova forma de trabalho vão além dos benefícios ambientais. Os custos nas cidades onde se localizam as maiores e mais conhecidas empresas estão cada vez mais altos para famílias de classe média. Podemos ter um número muito grande de boas vagas de emprego em um mesmo lugar e aí temos o cenário que ocorre em São Francisco, onde o número de novas oportunidades é 6 vezes maior do que as novas moradias. Em um mercado imobiliário como esse, famílias de classe média são muito prejudicadas. Aliás, trabalhadores que se mudam para grandes cidades para trabalhar não necessariamente gostam de viver nelas. Segundo pesquisa da Gallup dos Estados Unidos, de 2018, o número de pessoas que moram em grandes cidades é muito maior do que as que realmente querem isso. Ainda, 27% delas gostariam de morar em áreas rurais, mas só 15% realmente moram. Entra o cenário de êxodo rural e a luta das regiões que sofreram desindustrialização para atrair trabalhadores qualificados, é válido considerar onde eles gostariam de morar, caso pudessem escolher.

Ao não apoiar o trabalho remoto como um modelo permanente, as maiores e mais bem-sucedidas empresas acabam obrigando ótimos e ambiciosos profissionais a se concentrarem em um número pequeno de áreas metropolitanas, porque é lá que elas estão. A inovação é o que faz as melhores empresas bem-sucedidos e, considerando os potenciais benefícios do trabalho remoto e distribuído, essas empresas deveriam confrontar os desafios do trabalho remoto com a mesma coragem que enfrentam os outros obstáculos dos seus negócios. Deveríamos libertar os colaboradores para que eles possam parar de se deslocar diariamente e vivam melhor. Os governos podem e devem apoiar tal medida, inclusive atualizando qualquer lei trabalhista que possa restringir essa forma de trabalho e investindo em infraestrutura básica, especialmente na qualidade e cobertura da internet em áreas rurais. Acesso rápido e confiável à internet a todos é uma necessidade do trabalho remoto para que funcione em larga escala, e tal medida precisa do apoio do governo.

A crise do COVID-19 tem provado que a ampliação do trabalho remoto é possível. O trabalho distribuído não faz milagres, mas seus benefícios climáticos, sociais, econômicos e urbanos, entre outros, deveriam nos convencer a adotar esse novo modelo agressivamente, como uma opção permanente para os colaboradores. Eu acredito em tratar as próprias empresas como produtos para beneficiar os seus colaboradores e, mais de que nunca, estou certo de que as companhias que adotam o trabalho de forma distribuída representam o melhor produto para todos nós.

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*John Delaney é Chief Operating Officer (COO), da Xerpa. Advogado de formação, atuou como investidor anjo em várias empresas de inovação no Brasil como a 99 e Printi. Durante sua trajetória, trabalhou por anos no escritório de direito internacional Cleary Gottlieb, em Nova York, com negócios inovadores com investimentos estruturados de crédito no Nubank. Veio para o Brasil como primeiro advogado do escritório no país em 2010, ingressou como managing partner da SouthRock Capital, o que adquiriu a operação brasileira da Starbucks, em 2016, e hoje está à frente das Operações da Xerpa.

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