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A hipocrisia no setor aéreo: dois metros de distância até entrar no avião, depois disso...

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Por Marco Antonio Araújo Júnior
Atualização:
Marco Antonio Araújo Júnior. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Se tem um setor que sofreu pesadamente os efeitos econômicos causados pela pandemia do Coronavírus é o da aviação. No auge do pico da doença, quando o isolamento social deixou as cidades vazias, com comércio fechado, e muitas cidades e países fecharam suas fronteiras proibindo o ingresso de turistas, as companhias aéreas pararam de trabalhar e os pátios dos aeroportos ficaram lotados de aviões estacionados.

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Agora, com a flexibilização das regras de quarentena e a vida voltando ao novo normal, as empresas de aviação estão investindo em medidas de segurança e saúde. Por exemplo, tiraram os funcionários da função do check-in e os substituíram por computadores, retiraram os totens para evitar contato com superfícies e estão estimulando os passageiros a fazerem o check in remoto, pelo celular. Além disso, cuidados como máscara, paredes de acrílico e álcool gel em abundância foram adotados, bem como a aferição da temperatura para que não ingresse na aeronave nenhuma pessoa com febre, um dos sintomas do Covid.

Aliás, aproveitaram a oportunidade para limitar ou até suspender, por definitivo, o serviço de bordo. Um custo a menos com uma justificativa bastante oportuna.

Mas, um dos principais desafios ainda não foi solucionado: como manter o distanciamento social entre as pessoas dentro da aeronave? É sabido que uma das principais formas de transmissão do Coronavírus é quando uma pessoa está muito próxima de outra e, ao falar, tossir ou espirrar, elimina partículas do vírus na forma de aerossóis. Então, é de se imaginar que no avião fosse proibido aglomerar, manter passageiros lado a lado.

Existe, inclusive, uma sugestão de que as companhias aéreas bloqueiem o assento do meio, reduzindo substancialmente o número de pessoas dentro da aeronave. Mas, boa parte das empresas e inclusive a LATA (Associação Internacional do Transporte Aéreo) manifestaram-se contra porque reduziria demais a receita e traria importante prejuízo ao setor.

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As companhias aéreas alegam que estão fazendo sua parte quanto à higiene, desinfetando poltronas e demais locais que os passageiros possam encostar.

Contudo, nenhuma das empresas tem praticado o distanciamento real entre as pessoas na aeronave, pelo menos durante o voo. Desde que as aéreas retomaram as atividades, os voos têm saído em sua maioria lotados, com passageiros apertados um ao lado do outro, respirando o mesmo ar e trocando micróbios por conta da proximidade. Os dois metros exigidos no embarque são suprimidos por dois centímetros, ou até menos, de uma poltrona para outra.

Para tentar amenizar a situação e passar a imagem de que está tudo sob controle, nas mais modernas normas de sanitização, os aeroportos brasileiros têm colocado em prática diversas medidas para tentar barrar a propagação do coronavírus: exigência de máscaras, aferição de febre, redução de funcionários, obrigatoriedade de distância de dois metros na fila e até um sensor que apita em caso de aglomeração.

Mas, de que adianta esse aparato todo se ao entrar na aeronave todo mundo fica "junto e misturado", sem qualquer medida de segurança eficiente.

E pior ainda quando um passageiro alocado na janela pretende, durante o voo, se deslocar até o banheiro. Tem que esbarrar, necessariamente, em pelo menos outros dois passageiros.

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No exterior, a história tem se mostrado diferente. Embora a ideia de inutilizar o assento do meio não tenha sido bem recebida, diversas companhias têm voado com capacidade reduzida, adotando assentos vagos entre passageiros, além de usar outros artifícios como poltronas viradas.

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Claro que praticar o distanciamento social dentro das aeronaves e, portanto, abarcar menos passageiros tem um custo, que não é barato. Voar com capacidade pela metade traz um prejuízo grande às empresas do setor aéreo que já estão em crise profunda após os meses sem voar.

As questionamentos que ficam são: será que é o consumidor que vai pagar essa conta de novo?. Será que a companhia aérea não está atentando contra a saúde de seu cliente? Quem responde por essa negligência?

Com a crise do setor aéreo a Medida Provisória 925, convertida na Lei 14.034/2020, já transferiu ao consumidor a conta pelo reembolso de passagem aérea em razão de cancelamento causado pela companhia ou por terceiro. O consumidor que pretender ter o seu dinheiro de volta, por um voo não realizado durante o período da pandemia, terá que esperar por pelo menos 12 meses, além de pagar a multa pelo cancelamento, mesmo sem ter sido o responsável por ele.

Agora, ainda mais. As companhias aéreas expõem em risco a vida, saúde e segurança dos seus clientes, ferindo direito básico previsto no art. 6, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, descumprindo em absoluto a regra de não aglomeração.

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Em defesa própria, as companhias aéreas garantem que o sistema de ar condicionado dos aviões é potente, com filtros especiais que garantem a renovação do ar a cada 3 minutos, equiparado aos que funcionam em ambientes hospitalares. Mas, será que nesses três minutos não é o tempo suficiente para que o vírus seja disseminado, especialmente em voos que tem longa duração, ainda mais considerando que muitas vezes as pessoas estão contaminadas e não apresentam nenhum sintoma?

Cabe ressaltar que os médicos infectologistas dizem que a principal forma de transmissão do vírus não é pelo ar, mas pelo contato próximo com as pessoas. Ou seja, não adianta filtrar o ar. Tem que impedir que pessoas se sentem próximas umas das outras, exigindo a distância mínima protocolar.

Um estudo feito pela agência americana Centro de Controle e Prevenção de Doenças alertou para a falsa sensação de segurança dentro dos aviões no que diz respeito à contaminação pelo Covid-19. Isso porque houve um caso de uma mulher que contaminou 15 pessoas em um voo de Londres para Vietnã. Quem nos garante que isso não está acontecendo nos voos no Brasil?

É nessa linha que entendemos que a ANAC, que é autoridade máxima do setor aéreo no Brasil, deveria editar portaria para que as companhias aéreas fossem obrigadas a impor o distanciamento nas aeronaves enquanto não houver vacina. Somente os voos com poltronas das janelas e dos corredores poderiam ser comercializados, como foi noticiado no início da pandemia.

No Brasil os consumidores já pagam um valor alto pela passagem, pela bagagem despachada, pela reserva do assento, pela alimentação em serviço de bordo, pela remarcação de passagem, pela multa por cancelamento (que as vezes é mais alta que o valor da passagem) e agora correm o risco de pagar com a própria saúde, e muitas vezes com a vida. Quando será que as companhias aéreas irão ser responsabilizar pela integridade e segurança de seus passageiros?

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*Marco Antonio Araújo Júnior é advogado, mestre em Direito e autor de livros de Ética Profissional do Advogado pela Editora Saraiva. Foi assessor-chefe do Procon-SP em 2019 e presidente da Comissão Nacional de Defesa do Consumidor da OAB/SP de 2013 a 2018

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