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A geopolítica regulatória dos cassinos

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Por Sérgio Garcia Alves
Atualização:
Sérgio Garcia Alves. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O ano desponta promissor para o pujante mercado de apostas esportivas e loterias estaduais, mas há pouca evolução na legalização de cassinos no Brasil.

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A morosidade para liberarmos cassinos não é condicionada pelos debates moral, penal ou de saúde pública. A discussão de fundo se relaciona ao paradigma econômico a ser adotado e aos pressupostos desenvolvimentistas ou liberais que orientariam a proposta.

A escolha do modelo encerra conflitos de interesses entre agentes e tem repercussão direta no custo do capital investidor.

A legalização de cassinos tende a movimentar a indústria de construção civil, demandar mão de obra qualificada e promover o turismo de regiões onde forem instalados. O principal desafio é definir quais regiões seriam essas; e este desafio é multifacetado.

De antemão, afirmo que não devemos aspirar à geografia de Las Vegas. Tal qual o Vale do Silício, é lugar único, faz parte da história de desenvolvimento e ascensão dos Estados Unidos, e simplesmente não se pode replicar. As principais aulas que vêm de lá são de técnica, gestão e comércio, e impulsionaram, por exemplo, a consolidação da capital asiática do jogo, Macau.

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A questão regulatória de origem envolve saber se o Estado vai apontar as regiões autorizáveis à instalação dos cassinos (modelo desenvolvimentista) ou se vai atribuir a decisão exclusivamente aos investidores (modelo liberal). É razoável esperar a emergência de alguma solução mista no País.

De modo ilustrativo, há poucos anos um senador mineiro argumentava que pelos critérios sendo negociados no Congresso, que dariam exclusividade a sítios no norte e nordeste, alguns dos cassinos mais famosos do país, originalmente instalados em Minas Gerais, restariam impedidos de se restabelecerem. Por óbvio, opôs-se aos termos do encaminhamento.

Existem muitos argumentos articuláveis pelas várias partes interessadas, que ressoam também na discussão sobre a pertinência de eventual licitação das outorgas (concessões, permissões ou outro equivalente administrativo) ou simples credenciamento (atendidos requisitos, uma autorização) para exploração do negócio, bem como sobre o número de empreendimentos toleráveis.

A questão geográfica se relaciona ainda às expectativas arrecadatórias de União, Estados e municípios e ao rateio dos tributos para financiar causas públicas e sociais. A contenda é acirrada em outros setores e aqui também o é.

O último aspecto sobre geografia, e que reputo ser o mais óbvio e importante: estamos em 2021, já inventaram a Internet e a utilizamos verozmente. É fadada ao insucesso a adoção de modelo regulatório que bloqueie artificialmente a principal tecnologia habilitadora de nosso tempo ou que a ignore.

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Não é crível qualquer modelagem econômica que simule a exclusividade da prestação de serviços por cassinos físicos e que atribua ao Estado a responsabilidade por protegê-los de concorrência com jogos online; não é defensável salvaguarda de um ano, não é defensável reserva por décadas.

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A liberação não pode estar calcada no banimento de jogos digitais, sob pena de o Estado ser obrigado indenizar investidores em futuro próximo, por não conseguir impedir a atuação de agentes no ambiente virtual. O prejuízo ao investidor de cassino e aos entes federativos seria enorme.

É compreensível que outros países que já hospedavam cassinos previamente ao sucesso da Internet estejam lutando para encontrar o balanço sustentável para competição entre as casas tradicionais (brick and mortar) e os novos entrantes online.

O Brasil, porém, tem a vantagem de acessar o mercado com esse cenário tecnológico já consolidado; não podemos importar modelos regulatórios retrógados que reduzirão de início a concorrência e a inovação, em descompasso com a preferência do consumidor e desconectada da realidade.

Nos EUA e Europa, pesquisas de método comparativo estão sendo empregadas para amadurecer a regulação do jogo, incluindo governança e controle, a partir de analogias com outras indústrias altamente reguladas, como mercado financeiro e segurança alimentar.

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Conceitos de finanças públicas, concorrência e Internet, manuseados por estruturas híbridas de gestão tecnocrática, política e orientada a mercado, serão fundamentais ao desenvolvimento de um legítimo Brazilian berry regulatório para cassinos e o que mais vem por aí.

*Sérgio Garcia Alves, mestre em Direito & Tecnologia pela Universidade da Califórnia, Berkeley e mestre em Regulação pela Universidade de Brasília. Sócio de Abdala Advogados

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