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'A gente vai cobrar', alerta Receita a alvos da Custo Brasil

Superintendente-adjunto do Fisco em São Paulo, Fábio Kirzner Ejchel, avisa aos investigados, entre eles o ex-ministro Paulo Bernardo, que 'quem ganhou dinheiro de forma ilegítima vai ter de pagar o tributo'

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Foto do author Fausto Macedo
Por Julia Affonso e Fausto Macedo
Atualização:

Fábio Ejchel é auditor-fiscal. Foto: Divulgação/Receita

O superintendente-adjunto da Receita Federal em São Paulo, auditor-fiscal Fábio Kirzner Ejchel, informou que os alvos da Operação Custo Brasil serão tributados em seus ganhos ilícitos. "A gente vai cobrar", alertou Ejchel. "Com certeza serão abertas ações ficais do mesmo jeito que estão sendo abertas na Lava Jato."

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A Receita integra a força-tarefa da Custo Brasil, deflagrada na quinta-feira, 23. A operação culminou com a prisão do ex-ministro Paulo Bernardo (Planejamento/Govero Lula e Comunicações/Governo Dilma), suposto beneficiário de R$ 7,1 milhões em propinas de um esquema de fraudes e desvios de empréstimos consignados. Outros dez investigados tiveram a prisão decretada.

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Há mais de duas décadas na carreira, Fábio Ejchel, habituado aos desafios de uma profissão que muitas vezes enfrenta donos de grandes fortunas e poderosos da política, avalia que o País 'está vivendo um momento bastante conturbado'. Ele aponta para o que chama de 'uma crise política, uma crise econômica e uma crise ética'.

Nessa entrevista ao Estadão, o superintendente-adjunto reiterou uma frase que marcou o dia da Operação Custo Brasil. "A corrupção é irmã gêmea da sonegação."

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ESTADÃO: Na Custo Brasil, a Receita está fazendo autuações?

FÁBIO EJCHEL, SUPERINTENDENTE-ADJUNTO DA RECEITA EM SÃO PAULO: Existe um aspecto tributário. Quem ganhou dinheiro de forma ilegítima vai ter de pagar o tributo. A gente vai cobrar. Essa atuação se dá no momento posterior à investigação. A gente vai trabalhar em conjunto com outros órgãos e ver quais são os montantes. Com certeza serão abertas ações ficais do mesmo jeito que estão sendo abertas na Lava Jato.

ESTADÃO: Como vê o momento do País?

FÁBIO EJCHEL: Definitivamente, o País como um todo está vivendo um momento bastante conturbado em várias áreas. É uma crise política, uma crise econômica e uma crise ética. A gente nunca viveu uma época como essa. Eu acho que é uma percepção em todo o País. Acho que juntou essas três crises que se somam e impactam diretamente na Receita, principalmente, a crise econômica, porque a gente tem um enorme desafio com relação à arrecadação, a gente precisa urgentemente de um incremento de arrecadação, de uma recuperação da arrecadação para financiar o Estado. Na parte ética, a Receita tem um papel apesar de não ser exatamente a missão da Receita. A Receita não foi criada para combate à corrupção, diferente de Ministério Público, Polícia Federal que tem entre suas principais funções o combate à corrupção. No nosso entendimento, apesar de não ser a principal função da Receita, tem um papel muito relevante nisso. Por vários motivos, primeiro porque ela tem muitas informações que podem subsidiar para esses outros órgãos. Por isso é muito importante esse trabalho colaborativo, enérgico entre os órgãos, para as instituições que combatem esses malfeitos, trocarem informações e se organizarem. Elas ficam muito mais fortes no combate às organizações criminosas se elas atuarem em conjunto trocando informações. A corrupção e a sonegação, ambas estão intimamente ligadas.

ESTADÃO: De que forma?

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FÁBIO EJCHEL: São vários os aspectos. Elas são irmãs gêmeas, primeiro porque são da mesma família, a dos crimes. A gente está falando de sonegação dolosa, proposital. Não estamos falando do contribuinte que apresentou uma declaração de imposto de renda e esqueceu de colocar um rendimento de um dependente dele. Existe uma falha que pode acontecer, pode ser punido. Corrupção e sonegação estão muito ligadas, porque frequentam o mesmo ambiente subterrâneo, da informalidade. Elas não estão na contabilidade das empresas, formalmente colocadas, 'paguei propina para alguém', 'soneguei tantos valores'. É um mundo diferente do formal, correto, que a gente está acostumado a ver. Um terceiro motivo é que ambas prejudicam toda a sociedade e, pior, prejudicam mais a população mais pobre do que a mais rica. A população mais rica acaba às vezes até se beneficiando mais diretamente da sonegação, da corrupção, o que uma população mais pobre não tem como se beneficiar, porque ela não tem o poder, o dinheiro para sonegar. Aquela não se beneficia, é mais prejudicada. As duas causam os mesmo efeitos para a sociedade. Tanto a sonegação quanto a corrupção, existe a pequena e a grande. Outro ponto que elas são bastante parecidas é que os meios que você utiliza para fazer uma são basicamente os meios que você utiliza para fazer a outra.

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ESTADÃO: Corrupção e sonegação são irmãs gêmeas?

FÁBIO EJCHEL: Como você faz uma corrupção? Você usa transações em espécie, em dinheiro, você faz saques na boca do caixa, usa doleiros, faz remessas de dinheiro de forma ilegal. A lavagem de dinheiro está junto da corrupção e da sonegação. Como você sonega um valor? Você tem de fazer uma transação fora do sistema bancário oficial, tem de fazer transação em dinheiro. Se você vai mandar um dinheiro para fora, não pode mandar pelas formas legais, pelo Banco Central, tem de mandar de forma ilegal. Elas usam as mesmas ferramentas. Como irmãs, uma alimenta a outra. É um jogo em que quanto mais uma cresce, mais a outra cresce. A pessoa fala: 'eu vou pagar imposto, governo é corrupto, esse dinheiro vai ser todo desviado ou mal utilizado, então, eu não vou pagar'. A corrupção acaba levando a um estímulo da sonegação. A pessoa entra nesse submundo do crime, passa a ser uma pessoa que já está com seu telhado de vidro, já passa a estar sujeita a ser achacada, a ter de pagar corrupção, porque ela já está em uma situação errada e a coisa vai se retroalimentando. Apesar de elas serem muito iguais, a corrupção e a sonegação, a sociedade não vê o sonegador de uma forma tão ruim como ela vê o corrupto. A corrupção é combatida por todo mundo. A Polícia Federal prender o cara é legal, a Receita cobrar impostos não é legal. É curiosa essa percepção que a gente vê na manifestação das pessoas. É uma manifestação equivocada, porque a pessoa não percebe que o orçamento da União é como se fosse um grande condomínio. Se alguém do nosso prédio não pagar despesa de condomínio, aquela parte que ele não pagou vai ter de ser arcada pelos outros. Você tem de pagar o zelador, a limpeza. As pessoas veem com maus olhos quando a gente combate a sonegação, é curioso. A carga tributária no Brasil é grande para quem paga impostos.

ESTADÃO: Alguma estimativa da sonegação?

FÁBIO EJCHEL: É difícil calcular, porque são os dados não informados. O que a gente pode falar é que no Estado de São Paulo a gente tem uma arrecadação de tributos federais de R$ 500 bilhões por ano. No ano passado, a gente autuou, coisas que a gente conseguiu achar, têm coisas que a gente não conseguiu chegar, lançou R$ 70 bilhões em auto de infração. Se esses R$ 70 bilhões tivessem sido pagos, talvez pudesse diminuir a carga daqueles que pagaram os 500, diminuir proporcionalmente a carga de todos. Isso em um quadro muito difícil que a gente vive de recursos escassos. A percepção que a gente tem é que existe muita sonegação.

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ESTADÃO: É difícil pegar o sonegador?

FÁBIO EJCHEL: É. O cerne do nosso trabalho é tentar ter uma inteligência no momento de programar as ações fiscais para atingir o maior sonegador. É difícil, mas a gente se vale de um monte de informações. Um outro lugar-comum que existe: as pessoas falam: a Receita Federal além de não ser importante, além de sonegação não ser uma coisa muito prejudicial, o que muita gente equivocadamente acha, ainda existe uma outra falácia que diz que a Receita só se preocupa com o pequeno. Não é verdade. Dos R$ 70 bilhões que a gente autuou no ano passado, R$ 63 bilhões, 90% foram em grandes contribuintes, grandes empresas. Desses 70, lançamentos em pessoas físicas foram R$ 900 milhões. Você lançar R$ 900 milhões em pessoas físicas, você pega várias pessoas, tem casos de malha. As pessoas têm a sensação que a gente está trabalhando só esses casos pequenos, porque talvez seja isso que ele vive. Na prática, nosso foco há muito tempo tem sido os grandes contribuintes. Tanto que mais de 90% dos autos são em grandes contribuintes.

ESTADÃO: A Receita está participando do cerco aos alvos da Lava Jato.

FÁBIO EJCHEL: A gente já autuou quase R$ 2 bilhões da Lava Jato e estima que vai autuar em termos de lançamento mais de R$ 10 bilhões. A gente tem mais de 320 ações fiscais abertas no âmbito da Lava Jato. Tem 60 auditores trabalhando exclusivamente na Lava Jato. A gente tem aprendido muito com a Lava Jato.

ESTADÃO: A Operação Zelotes gerou algum reflexo para a Receita em São Paulo?

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FÁBIO EJCHEL: Uma boa parte desses R$ 70 bilhões que a gente lançou no ano passado e dos R$ 60 (bilhões) que a gente lançou no ano anterior, em São Paulo, acabam indo parar no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais). A gente lamenta que tenha acontecido, mas se existia o problema é muito bom que ele tenha sido debelado. Não existe nada mais frustrante para um bom fiscal, que trabalha, que fica às vezes 2 anos fazendo um trabalho sério, e depois vê que lá na frente alguém está negociando aquilo, derrubando o auto que ele fez para receber propina. É uma pena que aparentemente exista isso, mas é muito bom que tenha sido trabalhado. O contencioso tem que existir, mas de uma forma justa. Se realmente um auto de infração for mal feito, estiver equivocado, tiver que ser derrubado, ele vai ser. É legítimo isso. Mas um auto de infração bem feito ser exonerado por corrupção é muito grave.

ESTADÃO: O auto de infração pode ser contestado em qualquer instância?

FÁBIO EJCHEL: Se o auto for mantido na 1ª instância, ele tem direito à 2ª instância, que é o Carf. Eventualmente, conforme o caso, mesmo se for mantido lá existe um recurso especial para a Câmara Superior do Carf. Desses R$ 70 bilhões que a gente lança, uma menor parte é paga diretamente e uma boa parte vai para o contencioso. Tanto na 1ª quanto na 2ª instâncias os casos de maior valor e aqueles em que há representação para fins penais são priorizados. É um processo de muitos anos. Esse é um problema que a gente tem. Infelizmente, no Brasil, existe até um estímulo ao contencioso. Em muitos casos vale até a pena para a empresa não pagar e postergar o pagamento. Um dos motivos mais básicos, bem fácil de entender, é que os lançamentos feitos pela Receita são corrigidos à taxa de juros Selic, só que taxa de juros simples. Se a pessoa tem o dinheiro, se ela fizer qualquer aplicação, ela ganha juros compostos. Isso ao longo dos anos, como a tendência do contencioso é durar algum tempo, acaba dando uma diferença. Até como aplicação financeira, às vezes vale a pena. Em uma você está pagando juros simples, na outra está ganhando juros compostos, se você tiver esse dinheiro. Muita coisa precisaria ser mudada para a gente não estimular o contencioso. Ao contrário, estimular que as pessoas pagassem o mais rápido possível. O contribuinte tem direito ao contencioso quando é legítimo. Estou falando do contencioso meramente protelatório, o cara já sabe que errou mesmo, mas ele só vai ganhar tempo.

ESTADÃO: Na Custo Brasil, a Receita está fazendo autuações?

FÁBIO EJCHEL: Existe um aspecto tributário. Quem ganhou dinheiro de forma ilegítima vai ter de pagar o tributo. A gente vai cobrar. Essa atuação se dá no momento posterior à investigação. A gente vai trabalhar em conjunto com outros órgãos e ver quais são os montantes. Com certeza serão abertas ações ficais do mesmo jeito que estão sendo abertas na Lava Jato.

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ESTADÃO: Por que chegamos a essa crise ética no patamar que vivemos hoje?

FÁBIO EJCHEL: Talvez seja um pouco histórico, talvez não tenha começado agora, recentemente, talvez sempre tenha existido. Talvez hoje, justamente, por serem dos últimos governos, um mérito dos últimos governos, a gente ter instituições sólidas, fortes, independentes que podem coibir isso, isso esteja aparecendo mais. Talvez tenha aumentado nos últimos tempos. Talvez a sensação de impunidade, acho que isso tenha levado a gente a uma sensação de impunidade, de que essas pessoas nunca seriam atingidas, chegou a isso. É uma junção de fatores. Até difícil saber quem começou primeiro. Se começou porque tinha facilidade ou se tinha facilidade porque começou. É uma conjuntura em um ponto muito complicado para o País. A gente precisa dar uma virada nisso, sob pena de o País não sobreviver. Operações como a Custo Brasil são muito preocupantes, porque a gente vê que está no coração do governo. A gente não pode ter uma elite, um governo em que isso aconteça. Isso tem de ser coibido e a gente tem que de contar com essas instituições que são independentes, com as pessoas de bem do País para dar uma virada, com a sociedade, com a indignação das pessoas.

ESTADÃO: Há remédios para a crise ética?

FÁBIO EJCHEL: Eu acredito fortemente que a gente tem. É a reação da sociedade, desses órgãos independentes, que podem coibir esses malfeitos. A Justiça, os próprios políticos de bem que a gente tem, o próprio governo. Acho que se a gente tiver um grupo do bem maior do que o do mal, o bem vai prevalecer. Acho que é isso que precisa acontecer e o que vai acontecer. A gente tem que sair do círculo vicioso e entrar no círculo virtuoso.

ESTADÃO: O País vai sair maior dessas crises?

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FÁBIO EJCHEL: É o que a gente espera. Depois que a gente sair disso, a gente vai ter um País crescendo em bases muito mais saudáveis, muito mais sólidas daquela que talvez a gente estava. O País estava crescendo em uma base que a gente vê que não era muito saudável. Aí sim virar uma potência mundial, o que o Brasil deveria ser já.

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