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A falta de cautela da nova lei de improbidade administrativa

Por Leonardo Bellini de Castro
Atualização:
Leonardo Bellini de Castro. FOTO: INAC/DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A ineficiência e a morosidade do Poder Judiciário impõem descrédito e ceticismo no tocante a aplicação igualitária da lei em nosso País. É, desta feita, inegável que se estruturou um sistema processual propositalmente articulado com vistas a gerar a protelação de respostas de fundo em relação a processos envolvendo os ditos "peixes graúdos", tudo naturalmente para se garantir a impunidade de tais elites.

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Episódio recente envolvendo protagonista de conhecida organização criminosa, já condenado em duas instâncias a pesadas penas, veio novamente a trazer à baila o sistema de "faz de conta" adrede preparado para embalar incautos em bela retórica.

A pedra de toque da manutenção do status quo é, pois, a garantia da ineficiência do sistema judiciário, quer retardando respostas por décadas, quer tornando eventuais respostas inócuas para o fim a que se destinam, quer apostando na prescrição, linha para a qual também adere o propalado texto substitutivo preparado pelo deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), que altera a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.492/92).

Além das já muitas e inegáveis impropriedades do texto que já tivemos a oportunidade de apontar, sintomaticamente reveladoras do seu descasamento com a opinião pública e correlata expectativa coletiva, a nova lei também envereda a tornar o sistema cautelar particularmente ineficiente.

Com efeito, a legislação em tela vem orientada a desconstruir a jurisprudência consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça após décadas de julgamentos envolvendo malfeitos com o dinheiro público.

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De início, o art. 16, §2º, do referido projeto estabelece que o pedido de indisponibilidade de bens de agente ímprobo apenas será concedido mediante a demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, exigindo-se, por vias transversas, que o Ministério Público comprove que o demandado está a dilapidar o patrimônio com vistas a evitar futura responsabilização que eventualmente sobre ele recaia.

Ora, como é cediço, trata-se de exigência de difícil e intricada comprovação, em especial porque inexistem meios materiais, de pessoal e jurídicos para que o Ministério Público monitore a administração do patrimônio de demandados em ações de improbidade administrativa.

Trocando em miúdos, estar-se-ia a exigir do Ministério Público o acompanhamento das transações bancárias do demandado após o ato ímprobo ou a deflagração da investigação, percalço já intransponível do ponto de vista jurídico, na medida em que eventual quebra de sigilo bancário se destina a apurar, no modelo atual, fatos ilícitos passados.

Estar-se-ia a exigir, outrossim, que o Ministério Público acompanhe qualquer transação mobiliária ou imobiliária, cessão de participação acionária ou qualquer outro ato de transferência patrimonial durante todo o curso do processo, os quais normalmente tramitam por décadas.

Como corolário, somente após essa investigação incidental de todo inviável, o Ministério Público estaria juridicamente autorizado a postular por eventual indisponibilidade dos bens, sempre com o encargo suplementar de demonstrar que tal operação é suscetível de tornar o réu insolvente no que concerne à reparação do dano.

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Não bastasse, a legislação ainda impõe a necessidade de oitiva do réu pelo juiz ainda antes de eventual concessão da medida, o que somente poderá ser dispensado se comprovada a ineficácia da medida com sua oitiva, outra exigência apta a dificultar ou tornar impossível a efetividade do sistema cautelar, já que se exige prova de fatos relacionados ao que o réu pode vir a fazer em razão de sua oitiva e não propriamente àquilo que ele já fez.

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Forçoso reconhecer, portanto, que se tratam de obstáculos jurídicos meticulosamente inseridos no texto com vistas a inviabilizar o bloqueio do patrimônio de pessoas engajadas em atos de corrupção, alteração que, não é de estranhar, vem na contramão da tradicional jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que sempre dispensou prova de eventual dilapidação do patrimônio para o bloqueio de bens (REsp.637413 / RS, 2ª Turma, Relator Ministro Herman Benjamin, julgado em 07/05/2009, publicado no DJ em 21/08/2009).

Não fosse tudo suficiente, o malsinado projeto ainda limitou o montante sobre o qual pode recair o bloqueio de patrimônio do agente ímprobo, agora circunscrito ao valor do dano ou enriquecimento ilícito.

Nessa linha, o projeto também entra em rota de colisão com a sólida jurisprudência no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que autoriza a indisponibilidade de bens no valor correspondente ao dano ou enriquecimento ilícito, somado à multa civil potencialmente aplicável (STJ, AgRg no REsp nº 260.737/RJ, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 25/11/2014).

Em suma, o entendimento atualmente em vigor tem em mira garantir não só que o patrimônio público seja resguardado pela reparação do dano, mas que também a multa civil seja paga em caso de condenação, bloqueando-se também o montante para essa garantia.

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Disso deriva que a pretendida alteração legislativa dificulta não só que os bens do agente corrupto sejam bloqueados, mas também inviabiliza o bloqueio do montante necessário para o pagamento de eventuais multas, tornando o resultado útil da demanda uma quimera ainda mais pronunciada.

Dito isso, vale reforçar que o projeto em mira tem endereço certo, o de fortalecer a classe corrupta e corruptora inviabilizando-se os meios legais de seu enfrentamento. Sua aprovação, nessa linha, irá se somar aos inúmeros outros retrocessos que nessa temática estão sendo viabilizados a toque de caixa.

Cabe, pois, indagar. A quem interessa enfraquecer o combate à corrupção?

*Leonardo Bellini de Castro, promotor de Justiça - MPSP e mestre em Direito pela USP

Este artigo faz parte de uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac), com publicação periódica. Acesse aqui todos os artigos.

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