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A expectativa da implementação da arbitragem tributária no Brasil

Por Marcia Dias e Julia Souto Maior
Atualização:
Marcia Dias e Julia Souto Maior. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Diante da construção de um sistema de justiça multiportas, a arbitragem surge como um método alternativo de resolução de conflitos, para além da jurisdição estatal. Caracterizada pela menor formalidade, a arbitragem consiste em uma forma de solução de disputas com maior agilidade e promove a segurança jurídica através de decisões vinculativas proferidas por um ou mais árbitros.

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No Brasil, esse método heterocompositivo de resolução é disciplinado pela Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem) e, a partir da publicação da Lei nº 13.129/15, houve a inclusão da possibilidade de arbitragem em conjunto com a Administração Pública.

Nesse contexto, surge uma discussão doutrinal acerca da implementação da arbitragem tributária no país, visto que o volume de litígios de matéria tributária nos últimos anos vem gerando uma preocupação com o resultado útil do processo. De acordo com levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2019, as execuções fiscais representavam 39% do total de processos pendentes para julgamento[1]. Ademais, segundo o Insper, no mesmo ano, registrou-se que o contencioso tributário brasileiro, nos três níveis federativos, alcançava o patamar de R$ 5,4 trilhões.

Ressalte-se que o percentual calculado leva em consideração a realidade do gerenciamento de processos tributários antes mesmo da pandemia ocasionada pelo COVID-19, fator responsável por uma crise sanitária, econômica e fiscal jamais evidenciada, gerando expectativa sobre uma tendência de maior acúmulo de processos tributários pendentes de julgamento.

Nesse contexto, algumas medidas jurisdicionais vêm sendo adotadas pelos órgãos públicos a fim de dirimir o grande impacto econômico evidenciado em matérias tributárias, como a parceria firmada entre o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a Fazenda Nacional, em que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) pretende peticionar pela desistência nos processos com créditos de "baixa recuperabilidade". Além disso, o CNJ também propôs inovações com intuito de viabilizar uma maior resolutividade processual nas execuções fiscais através do programa Resolve Execução Fiscal.

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Todavia, o proveito econômico ainda resta afetado, visto que, embora úteis, essas medidas não suprem a grande demanda evidenciada nos tribunais.  Assim, possibilitar uma terceira via para a solução de litígios envolvendo crédito tributário em um contexto de ineficácia dos métodos tradicionais, de forma facultativa e dialógica, seria uma oportunidade alternativa e legitimada de garantir o acesso à justiça de forma mais célere.

Em relação à instauração da arbitragem, há dois projetos de lei (PL) em tramitação no Senado Federal que pretendem positivar a arbitragem tributária no Brasil, apresentando, dessa forma, diferentes propostas de aplicação do instituto em matéria tributária: os PLs nº 4.257/2019 e 4.468/2020.

O PL nº 4.257/2019 pretende realizar alterações na Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/80) e insere a arbitragem em momento posterior à constituição da relação jurídica tributária, o que permite ao executado optar pela adoção de resolução arbitral, caso a execução esteja garantida por depósito em dinheiro, penhora ou seguro garantia, bem como permite à Fazenda Pública optar pela execução extrajudicial da dívida ativa de tributos e taxas, mediante notificação administrativa do devedor.

Já o PL nº 4.468/2020 realiza algumas alterações na Lei de Arbitragem (Lei nº 9.430/96) e pretende estabelecer regime autônomo por meio da instauração de uma arbitragem especial tributária, com o intuito de solucionar controvérsias sobre matérias de fato no curso de fiscalização de débitos ou de quantificar crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado. Além disso, estabelece condições estruturais ao tribunal arbitral e a seus desdobramentos.

Ambos os projetos de lei acima mencionados são objeto de fortes críticas de profissionais da área tributária, em virtude da possível baixa efetividade da arbitragem nas hipóteses ali previstas.

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Com relação ao PL nº 4.257/2019, considerando que a arbitragem seria cabível apenas após garantido integralmente o crédito tributário, a alternativa poderia ser pouco atrativa aos contribuintes, pois, usualmente, a prestação de garantia é uma medida bastante onerosa à parte executada e, na via judicial, já permite que o contribuinte se defenda amplamente através de embargos à execução fiscal.

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Por outro lado, as principais críticas ao PL nº 4.468/2020 se referem ao fato de que o contribuinte precisaria decidir pela arbitragem ainda durante a ação fiscal, ou seja, antes mesmo do lançamento do crédito tributário, quando sequer existe a certeza de que o Fisco exigirá qualquer montante.

Apesar das críticas, tais medidas seriam importantes para a sociedade e a Fazenda Pública confirmarem a importância do método nessa esfera, podendo ser uma porta de entrada para outras hipóteses de cabimento.

Atualmente, ambos os projetos se encontram sob análise do plenário, mas há grande expectativa acerca de sua implementação no país, haja vista que o elevado congestionamento de processos tributários sem perspectiva de resolutividade acaba por prejudicar o recolhimento de impostos, ocasionando prejuízo financeiro tanto para o fisco, quanto para o contribuinte.

Concomitante a isso, utiliza-se de exemplo o sucesso da instauração do regime de arbitragem tributária em Portugal, o qual é regido por legislação específica e realizado por meio de tribunais arbitrais representados pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), onde tem sido registrado um aumento significativo de processos julgados por via arbitral no país.

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Logo, a instauração da arbitragem tributária tem como maior objetivo alcançar a razoável duração do processo presente no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, como também pretende promover uma estabilização dos índices de litigância tributária. Além disso, faz-se importante esclarecer que tal inovação não vem afetar a função do Poder Judiciário no julgamento de matérias tributárias, nem ofuscar a resolução ainda na via administrativa, mas surge como uma proposta alternativa e complementar, de forma a oferecer segurança jurídica e satisfação às partes.

*Marcia Dias, sócia do escritório Coelho e Dalle Advogados

*Julia Souto Maior, estagiária do escritório Coelho e Dalle Advogados

[1] Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2020. Brasília: CNJ, 2020. anual.

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