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A ética do pensar coletivo em tempos de pandemia

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Por Jefferson Kiyohara
Atualização:
Jefferson Kiyohara. Foto: Divulgação

Estamos próximos de completar um ano de pandemia no Brasil. Foram diversos os desafios enfrentados pelas pessoas e pelas organizações e, de forma positiva ou negativa, foram muitos os impactos. Vimos oportunidade e ganhos, problemas psicológicos e financeiros, fé e dor, reflexões e mudanças, perdas e mortes. E chegou o novo ano renovando as esperanças como sempre, reforçado pelas novas vacinas, como nunca se viu nos anos recentes.

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Neste cenário tão único, surgiram diversas situações que ganharam as manchetes e provocaram debates e indignação, reforçando a importância de promover e praticar o comportamento ético. Mas a prática mostra que tomar decisões éticas não é tão simples ou óbvio. Exemplos como definir prioridades para a vacinação, assim como testemunhar gente furando a fila ou enfermeiros que fingem dar a vacina nos idosos, escolher que paciente deve receber o oxigênio que está em falta, confrontar autoridades sanitárias por não concordar com o fechamento de bares e danceterias, entre outras situações. O mundo atual é complexo, assim como o processo de decisão.

Então, como estas decisões são influenciadas? Queremos ter a liberdade de falar e tomar decisões, mas estamos dispostos a arcar com as consequências? Elas existem de fato? O ser humano é complexo por natureza e possui as suas individualidades. Isso inclui suas crenças e valores, sua formação familiar, escolar e laços de amizade, seus grupos de interesse e sua vontade de pertencer e ser aceito. Gostamos de ser livres e reagimos quando tentam restringir a nossa liberdade. Tecnicamente, isso se chama reatância psicológica.

Como assim não posso tomar uma cerveja no bar com amigos? Por que vou usar máscara no avião ou ônibus se me incomoda? A pessoa não quer ser privada de suas liberdades e de seu poder de tomar decisões. Assim, ela reage buscando retomar as rédeas de sua vida, muitas vezes sem conseguir enxergar os novos elementos presentes ou ignorando o cenário, querendo demonstrar poder ou simplesmente assumindo riscos que não são exclusivamente seus. Por isso, há limitações práticas para os efeitos das campanhas pelo uso de máscaras. E, no cenário atual, a situação se complica porque há um desbalanceamento entre ação e reação, dado que muitas vezes não há consequências diretas para a decisão individual e, ao mesmo tempo, há o desafio de ter privações individuais para um bem estar coletivo.

Se a consequência fosse imediata e para o indivíduo, o comportamento seria diferente na maioria dos casos, mesmo quando a pessoa não concorda ou se sente desconfortável. Pense na proibição de voar de avião sem máscara, por exemplo. Logo, uma forma de incentivar a tomada de decisão ponderada seria buscar formas de individualizar as sanções e consequências, de forma a impactar o modelo mental de decisão.

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Não vou entrar no âmbito legal, mas dar alguns exemplos apenas com o propósito de estimular a reflexão: e se a contrapartida para participar de uma festa ilegal com aglomeração e sem os protocolos de vigilância sanitária fosse ir para o fim da fila na prioridade de atendimento médico em caso de necessidade? E se exigisse o trabalho voluntário por uma semana numa UTI com doentes com COVID-19? Será que a decisão seria a mesma?

No mundo real, sabemos que é complexo individualizar as consequências. Então um outro caminho precisaria ser buscado. Um exemplo é incentivar o senso de coletividade. Mas isto não é algo que se constrói do dia para a noite, não é feita com uma campanha usando um artista famoso como porta voz e tampouco é uma filantropia pontual. O pensar coletivo requer mudanças estruturais na sociedade e na educação formal.

Precisamos sim incluir nas grades de escolas, colégios e faculdades o estudo da cidadania, da ética e da sustentabilidade. Dentro da sociedade civil, precisamos promover de fato o senso de coletividade e de respeito às pessoas e ao planeta. As pessoas precisam aprender a tomar decisões, de uma forma ética, pensando e se importando com os impactos das decisões que toma, de forma holística, e se responsabilizando pelas consequências. O impacto positivo e amplo deve ser o norte. A mudança pela educação não é simples, mas necessária e efetiva. É um investimento para o futuro do Brasil.

*Jefferson Kiyohara é diretor de Compliance & Sustentabilidade na ICTS Protiviti e professor da FIA

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