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A espera do juiz natural

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Por Kenarik Boujikian
Atualização:
Kenarik Boujikian. FOTO: ARQUIVO PESSOAL  

Algumas pessoas têm afirmado que o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgará a suspeição do ex-juiz Moro, no habeas corpus 193.726 ( da incompetência), previsto para o dia 22.4.2021, mas a verdade é que isso não vai ocorrer, pois o STF já decidiu que ele é suspeito, em julgamento que ocorreu na Segunda Turma, no habeas corpus 164.493 ( da suspeição).

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Os temas trazidos nas duas ações referidas são fundamentais para um processo que guarde as regras constitucionais, pois tratam de fixar qual o juízo para decidir a causa, de acordo com as regras vigente (juízo competente) e garantir que seja julgado por juiz imparcial, tudo  conectado com o princípio do juiz natural.

No habeas corpus da incompetência, o STF reconheceu que o processo não poderia ser julgado em Curitiba. Resultado previsto, tendo em vista as regras processuais e o histórico das decisões. Em 2015, no caso paradigma, o STF julgou que Curitiba só poderia apreciar os fatos relacionados a ilícitos praticados em detrimento da Petrobrás S/A.   Agora decidirá se o processo será encaminhado para o Distrito Federal ou São Paulo.

Outro ponto do julgamento é o destino que deve ser dado aos demais processos que se encontram na Corte.

O ministro Edson Fachin declarou sozinho a perda do objeto do hc da suspeição, mas não poderia fazê-lo, porque implica em negar à Lula o sagrado direito de acesso à justiça, exercida por um juiz probo. Mas, sobretudo, significa descumprir as regras que existem para dar garantia a todas as pessoas, emanadas do princípio constitucional do juiz natural.

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Trata-se de uma das mais relevantes garantias do sistema democrático, supedâneo de uma sociedade civilizada, destinada às partes, à sociedade e ao Judiciário.  O princípio do juiz natural assegura conhecimento do julgador, de acordo com as normas, previamente pré-fixadas, sem possibilidade de mudanças.

Pois bem, o juiz natural do habeas corpus da suspeição, que é sempre único, é a Segunda Turma. Poderia ser o Plenário (os onze ministros), hipoteticamente, se antes de começar o julgamento, o relator, Ministro Fachin, ou a Turma tivessem determinado que assim seria. Ministro Gilmar Mendes fez esta proposta, mas Fachin votou contra e não foi aprovada, de modo que esta possibilidade foi afastada, naquele que era o único momento processual possível, antes do julgamento, que teve início. Uma vez iniciado, não há alteração possível do órgão julgador por  uma decisão emanada  exclusivamente pelo relator, pois subtrai a jurisdição da Turma.

As regras que estabelecem o juiz natural para o STF, internamente, são claras. Quando o julgamento tem início, impossível mudar as regras e rotas de um julgamento, o que caracterizaria manipulação da jurisdição.

O julgamento começou na Turma e só ela poderia encerrar, da forma que fosse, como de fato assegurou a 2ª Turma, que afastou a questão apontada por Fachin, que não queria que os demais ministros decidissem sobre a suspeição.

A regra que impede a mudança do órgão julgador é para que a jurisdição não possa ser manipulada, por quem quer que seja e para qual fim que seja.

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E cabe uma palavra final: as turmas do STF são os órgãos soberanos do próprio STF, de modo que não há previsão e, nem poderia haver, de recurso das decisões das turmas, para o plenário. Seria soterrar a soberania do próprio Poder.

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O Brasil precisa de paz, que só poderá ser conquistada se o Guardião da Constituição der cumprimento ao regramento constitucional, que exige que o Estado garanta acesso à justiça para todas as pessoas, sem distinção, que todas têm direito de serem julgadas por juízes competentes e imparciais e que não se pode vulnerar o princípio do juiz natural.

Precisamos colocar uma pá de cal nas arbitrariedades e reencontrar o caminho do Estado Democrático de Direito.

*Kenarik Boujikian, desembargadora aposentada TJSP, cofundadora da Associação Juízes para a Democracia e ABJD, especialista em Direitos Humanos

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