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A escalada dos reajustes na saúde

Por Renata Vilhena Silva
Atualização:
Renata Vilhena Silva. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O mês de junho costuma ser um período angustiante para milhões de consumidores que encontram nos convênios médicos uma saída para o falido sistema público de saúde. É o momento em que administradoras e empresas de planos de saúde apresentam os reajustes aplicados às mensalidades dos planos coletivos para os próximos 12 meses.

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A 'carta bomba' anuncia índices que há, pelo menos, 5 anos se mantêm em dois dígitos. O último reajuste foi anunciado pela maior empresa administradora de planos vinculados a sindicatos e associações de classe.

A partir de julho, o valor acrescido às mensalidades será de 19,98%. Entre 2014 e 2018, essa mesma empresa acumulou 154% de aumento, enquanto a inflação oficial chegou a cerca de 30%.

A pergunta sem resposta é: o que falta para que a ANS assuma a responsabilidade pela regulamentação da modalidade dos planos coletivos que, há anos, vem apresentando sinais de insustentabilidade para o consumidor?

Até 1999, não havia controle e transparência nos valores de reajustes praticados pelas operadoras. A partir da necessidade de regulação do mercado, a ANS foi criada com a responsabilidade de calcular os reajustes dos planos familiares e individuais.

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Como forma de burlar o controle dos reajustes, o que vimos acontecer nesses últimos 19 anos foi a escassez da oferta de planos de saúde familiares e individuais e o crescimento dos planos empresariais ou coletivos por adesão.

Hoje, quem deseja contratar um plano de saúde para a sua família, possui três alternativas: abrir um MEI para ter um CNPJ e conseguir se enquadrar nos planos empresariais; se unir a grupos de pessoas de acordo com a sua categoria profissional, vinculadas a uma entidade de classe, para contratar um plano coletivo por adesão; ou, em um país com mais de 13 milhões de desempregados, contar com a sorte de ter sua carteira profissional assinada em uma empresa que ofereça para ele e seus dependentes um bom plano de saúde.

Cerca de 80% dos planos de saúde ativos no país, atualmente, estão dentro de uma das categorias acima, todas elas livres de regulação por parte da ANS, ou seja, terreno fértil para abusos e falta de transparência cometidos pelas operadoras.

Mas nem mesmo os planos familiares e individuais fogem da incapacidade da ANS em controlar um mercado tão arbitrário. Estudo recente divulgado pelo Ipea mostra que o reajuste dos planos familiares e individuais foi de 382%, entre 2000 e 2018. O percentual é mais do que o dobro da inflação do setor de saúde no período, 180%, já excluindo os planos desse cálculo.

A conclusão do estudo do Ipea foi de que há falhas na regulação da ANS e de que a agência não foi capaz de proporcionar redução de custos, reduzir a assimetria de informação entre usuários e operadoras, nem estimular a eficiência do setor.

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No ano passado, o reajuste de 10% aplicado aos convênios familiares recebeu críticas do Idec, que defendeu na Justiça reajuste de 5,7%, mas teve liminar derrubada pelo Tribunal Regional Federal, que validou o índice imposto pela ANS.

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Constantes críticas quanto à base de cálculo utilizada pelo órgão que regulamenta o setor deram resultado e frearam arbitrariedades da ANS: a partir deste ano, o órgão anunciou um novo cálculo para os índices, que serão divulgados em julho.

As perspectivas, no entanto, estão longe de serem replicadas aos planos coletivos. Entre 2014 e 2018, o reajuste praticado pelas administradoras de planos coletivos chegou a uma média de 130%, ante 60,32% calculado e autorizado pela ANS para os planos familiares e individuais, no mesmo período.

A queda de braço envolvendo os reajustes continuará existindo até que se decida olhar para o consumidor com respeito e debater propostas que apresentem soluções reais para a sustentabilidade do sistema de saúde privada.

Diante de inúmeros desafios, que têm como ponto central os custos para manter a viabilidade do sistema, se torna cada vez mais urgente a necessidade de ampliar a participação da sociedade para se chegar a caminhos que fortaleçam o setor, a redução de despesas e a regulamentação.

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Enquanto isso, milhões de brasileiros continuarão a receber uma "carta bomba" em suas casas todos os anos, sempre com uma notícia explosiva que impactará sua saúde física, emocional e financeira.

*Renata Vilhena Silva, advogada especialista em direito à saúde, bacharel em Direito pela PUC-Campinas, especialista em Direito Processual Civil pelo Cogeae (PUC-SP) e pelo CEU - Centro de Extensão Universitária, autora das publicações Planos de Saúde: Questões atuais no Tribunal de Justiça de São Paulo, volumes I e II, e sócia-fundadora do Vilhena Silva Advogados

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