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A escala Glasgow, COP 26 e concorrência

Por Daniel O. Andreoli , Paola Pugliese e Paula Pinedo
Atualização:
Daniel O. Andreoli. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A escala de coma de Glasgow foi publicada oficialmente em 1974 na revista médica Lancet por Graham Teasdale e Bryan J. Jennett, professores de neurologia na Universidade de Glasgow, como uma forma de se avaliar a profundidade e duração clínica de inconsciência e coma, bem como a melhora ou deterioração do estado do paciente.

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Agora em novembro, um novo paciente estará sujeito a uma avaliação mundial sobre grau de inconsciência e coma, também em Glasgow: o meio-ambiente. A Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26) tem como missão discutir medidas e desafios para o atingimento das metas climáticas - acertadas no Acordo de Paris (2015) - para redução do aquecimento global. A defesa da concorrência - ou melhor, o medo dela - é uma das razões alegadas pela iniciativa privada como óbice para uma discussão setorial mais profunda. Teme-se que uma discussão entre concorrentes em prol de um ambiente mais sustentável possa ser caracterizada como um ilícito concorrencial, e, portanto, passível de multas milionárias (quando não, bilionárias).

Semanas atrás as autoridades antitruste do mundo participaram da reunião anual da International Competition Network (ICN). A autoridade húngara anfitriã (GVH) elegeu como tema a sustentabilidade e concorrência. Para tanto, antes da reunião, a GVH lançou uma pesquisa que contou com a participação de 52[1] autoridades, bem como profissionais da área antitruste. O resultado da pesquisa demonstrou que a iniciativa privada pouco provoca e as autoridades antitruste pouco discutem questões ambientais, até mesmo nos países europeus, que, inquestionavelmente, vêm liderando as discussões.

Entre as agências participantes da pesquisa apenas 10% tratam, de alguma forma, de questões ambientais em sua lei de defesa da concorrência. O principal tema abordado nessas jurisdições é a implementação de acordos de cooperação entre concorrentes, para efetivação de medidas sustentáveis. De todas as autoridades consultadas, apenas 8% esperam que sejam introduzidos dispositivos relacionados com a sustentabilidade em suas legislações antitruste até 2023, sendo que 50% dessas agências são europeias.

No mesmo sentido, apenas 2% das participantes informaram que já analisaram algum caso em que o tema de sustentabilidade era a única preocupação, enquanto 10% analisaram questões ambientais em casos em que havia outras preocupações concorrenciais mais relevantes. Todos esses casos foram julgados por autoridades europeias. Também se constatou que entre 2015 e 2017 as autoridades analisaram apenas cinco casos que envolveram questões ambientais e, entre 2018 e 2021, quase o mesmo número (seis). Isso demonstra que, mesmo sendo um assunto que está na pauta de diversos países, ainda não se percebe um aumento significativo das discussões sobre questões ambientais na esfera concorrencial. Essa estagnação ocorre tanto por falta de orientações específicas das autoridades, como também por conta da inércia da iniciativa privada em provocar as autoridades concorrenciais.

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A falta de clareza na aplicação das regras antitruste também foi uma questão levantada por diversas empresas europeias que participaram da consulta pública iniciada em setembro de 2020 pela Vice-Presidente Executiva da Comissão Europeia, Margrethe Vestager, com o objetivo de entender como as regras concorrenciais poderiam influenciar e/ou auxiliar na implementação de políticas de sustentabilidade. Parece que, se por um lado não está claro para as empresas como a autoridade antitruste vai analisar os acordos de cooperação entre concorrentes - que são essenciais para acelerar os objetivos sustentáveis-, por outro há uma certa resistência das empresas em procurarem maiores esclarecimentos sobre o assunto, dado que que o número de casos e consultas envolvendo questões ambientais continua insignificante frente ao grande desafio.

O distanciamento entre as empresas e as autoridades antitruste provoca uma estagnação da discussão dos temas ambientais na esfera concorrencial, e, assim, acaba confirmando a percepção - equivocada - de que a defesa da concorrência é um obstáculo para a aceleração das medidas ambientais.

No Brasil também não será diferente, caso o país queira desempenhar um papel relevante na transformação sustentável. A iniciativa privada não só precisa assumir o protagonismo da pauta como também provocar discussões com a autoridade antitruste brasileira (CADE) sobre os limites concorrenciais em que possam atuar em prol de mercados mais sustentáveis. Caso contrário continuaremos inertes -apontando o dedo uns aos outros - frente aos tantos danos ambientais vistos ultimamente em nosso país e no mundo.

Nosso paciente - o meio-ambiente - está em coma. A letargia para o endereçamento do problema - tanto pela iniciativa privada quanto pelas autoridades públicas - não ajudará o paciente a ter uma evolução satisfatória na escala Glasgow. Cabe à iniciativa privada provocar de forma mais incisiva as autoridades concorrenciais para que possam se pronunciar a respeito dos desafios, para que a defesa da concorrência não seja ironicamente um dos fatores detratores de um mundo mais sustentável.

*Daniel O. Andreoli e Paola Pugliese são sócios e Paula Pinedo é advogada da área concorrencial do Demarest Advogados

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[1] Autoridades que responderam à pesquisa por continente: África: 6 autoridades (12%), América do Norte: 6 autoridades (12%), América do Sul: 2 autoridades (4%), Ásia: 6 autoridades (12%), Europa: 31 autoridades (60%) e Oceania: 1 autoridade (2%).

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