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A escala de Glasgow do coma global

Por Sílvio Ribas
Atualização:
Sílvio Ribas. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Diante desafios gigantescos que chegarão no fim deste mês à mesa da 26ª Conferência da ONU sobre Mudança Climática (COP26), proporcionais às perspectivas funestas da crise climática global, encontrei na Escala de Glasgow - convenção médica que leva o nome da mesma cidade escocesa que sediará o encontro de cúpula - a metáfora sobre o necessário despertar planetário para um drama de solução óbvia, mas de dificílima negociação política multilateral.

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É pela escala neurológica de Glasgow que se mensura o nível de consciência do paciente em coma, a partir de indicadores objetivos e confiáveis como abertura dos olhos e reação a estímulos externos. Se aplicar o seu método para apurar a percepção ambiental do próprio mundo, temos aí um paciente no estado vegetativo que precisa acordar logo para erguer-se do leito e controlar o próprio corpo, em tempo de não morrer de complicações clínicas.

De 31 de outubro a 12 de novembro, sob a presidência do Reino Unido e em parceria com a Itália, a COP26 deverá só renovar promessas das nações de seguir buscando um amplo e efetivo acordo de corte nas emissões de gases de efeito estufa, em paralelo a ousadas metas individuais de países e regiões. Maior poluidor do mundo, a China se colocou como a líder mundial em questões climáticas logo após os Estados Unidos abandonarem compromissos na gestão Donald Trump (2017-2021). Washington até voltou ao jogo, mas está longe da essencial harmonia com Pequim.

As duas maiores economias do mundo, que emitem metade da poluição atmosférica, precisam se acertar para a agenda global do clima avançar de forma satisfatória. Com horizonte inicial de aplicação até 2030, as medidas a serem firmadas agora já não terão margem folgada de tempo para evitar efeitos ainda mais danosos que as atuais inundações, nevascas e estiagens longas. A redução das causas para os eventos climáticos extremos passou da hora há décadas. Lembra da Rio 92?

E o Brasil? Dono da maior biodiversidade e cobertura florestal tropical do mundo, o país tem na Amazônia a garantia do mínimo de estabilidade do clima. Quando ela queima, a hidrologia e a pluviometria do país pioram e a temperatura mundial ganha impulso. A atual crise energética brasileira, de clara conexão com o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas, a quebra de safras por falta de chuvas e até tempestades de poeira descrevem esse problema com clareza. Por isso, a promessa do Brasil de cortar 43% das suas emissões de carbono, de 2005 a 2030, é considerada insuficiente pelos analistas mais críticos.

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Dentro do atual contexto da conferência global mais aguardada dos últimos anos, que tem tudo para mudar o curso do planeta e evitar a catástrofe climática, o Brasil pode ter um papel especial. O governo brasileiro insiste em chamar a atenção dos países ricos pela perda substancial de estoques de cobertura vegetal deles em contrapartida com a larga preservação dos nossos estoques, em razão até do subdesenvolvimento. Em troca, negocia a cobrança internacional pelos "serviços ambientais" prestados pelo Brasil, pois a tarefa de conservar a Amazônia custa muito dinheiro e acaba interessando a todos os países.

BANCOS UNIDOS PELA AMAZÔNIA

Há ainda a saída pelo mercado, uma das apostas das Nações Unidas, com criação de programas para explorar economicamente a selva de forma inteligente e comércio de captura de carbono. Um exemplo disso está no setor financeiro do Brasil.

No início de setembro, os presidentes do Bradesco, Octavio de Lazari; do Santander, Sergio Rial; e do Itaú Unibanco, Milton Maluhy Filho, fizeram um balanço de seu pacto pela defesa da Floresta Amazônica, iniciado há pouco mais de um ano. Em manifesto divulgado pela imprensa, os líderes dos três maiores bancos privados do país listaram avanços do "Plano Amazônia", iniciativa voltada ao desenvolvimento estruturado e sustentável do bioma.

As instituições financeiras apostam no sucesso da bioeconomia, com apoio às cadeias de suprimentos e ao acesso a mercados globais, além de culturas sustentáveis como cacau e açaí, com foco em renda para comunidades e conservação florestal. Nesse sentido, emprestaram mais de R$ 100 milhões a cooperativas e agroindústrias, além de buscar regularização ambiental da pecuária, com meta de erradicar o desmatamento ilegal do setor até 2025.

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Por fim, os bancos deram crédito a produtores condicionado à normalidade fundiária. Com apoio de renomados escritórios jurídicos, foi elaborado um documento para mapear a legislação nos nove estados da Amazônia Legal e subsidiar debates sobre o tema. "A floresta em pé guarda os mais valorosos ativos de nosso país e o futuro da Amazônia será decisivo para o nosso destino enquanto nação", exortam os três executivos.

*Sílvio Ribas, jornalista, escritor, consultor em relações institucionais e assessor parlamentar no Senado

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