Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

A educação, regulação e consumo

PUBLICIDADE

Por João Paulo de Campos Echeverria
Atualização:
João Paulo de Campos Echeverria. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A Constituição brasileira carrega na sua gênese uma carga de responsabilidades pouco vista em outras nações. E se tomarmos o instrumento constitucional como referência da dinâmica contratualista que ilustra boa parte do mundo contemporâneo, estou absolutamente convencido de que os sonhos traduzidos nas palavras imprimidas no texto de 1988 traz aos brasileiros uma responsabilidade certamente difícil de ser praticada no campo da realidade.

PUBLICIDADE

Em outras palavras, nossa Constituição expressa garantias abrangentes aos indivíduos e deveres sobejamente complexos ao Estado. Entre os quais, e aqui o ponto de análise, o Texto Constitucional aponta a educação como uma garantia constitucional e, de outro lado, um dever do Estado para com os brasileiros.

A bem da verdade, entre outras garantias individuais empregadas na Constituição, o art. 205 impõe que a educação é um dever do Estado para com os indivíduos, e, mais, refere-se à educação como um direito de todos. E não apenas pelo quanto consta do art. 205, mas também pela conjugação dos arts. 6º, 23, V, 206, IX, 208 e 227, que de uma forma ou de outra traduzem essa garantia.

Toda essa estruturação de direitos e garantias sobre a educação contempladas na Constituição, entretanto, muito embora sonhadas e impressas no texto, deparam-se com uma realidade difícil e complexa de ser enfrentada, seja pela realidade federativa nacional, que situa a educação em três níveis de responsabilidade - federal, estadual e municipal - ou pelo fato de o Brasil ser um País de dimensões continentais, com ambientes de pouca infraestrutura em alguns rincões, e uma população sedenta por desenvolvimento e sem um histórico de acesso ao ensino pleno em qualquer dos níveis de educação (fundamental, médio e superior).

Resumindo, embora a Constituição atribua ao Estado esse dever de educar o povo brasileiro, fato é que por si e por recursos exclusivamente públicos essa tarefa é sem sombra de dúvidas impossível de ser realizada. E não por outra razão é que, reconhecendo desde sempre essa realidade, o art. 209 do texto constitucional entregou à iniciativa privada, como função delegada do Poder Público, o direito de fazer valer a garantia constitucional à educação.

Publicidade

No ponto, o art. 209 da Constituição diz que a educação é livre à iniciativa privada, mas condiciona o serviço de educação ofertado por instituições de ensino privadas ao "cumprimento das normas gerais da educação nacional" e a "autorização e avaliação de qualidade do Poder Público". Notadamente impõe sobre às instituições de ensino de natureza privada um elemento regulador, inclusive como forma de reserva dos poderes e deveres constitucionais.

Com isso, ou melhor, a partir dessa estruturação normativa, de um lado emerge a educação como um setor de mercado e, de outro lado, é instituído um modelo regulatório sobre a forma de atuação desse setor na economia - exatamente no sentido de assegurar que a proposta constitucional de oferecer educação de qualidade a todos seja atendida. No meio dessa relação, entre a percepção econômica e a regulação do serviço, como elemento central, está justamente o estudante.

O estudante, por sua vez, na dinâmica que se estabelece a partir da convergência entre a visão de mercado e da visão regulatória, é percebido tanto em perspectiva pedagógica e notadamente regulatória por parte do Poder Público no que concerne aos serviços prestados pelas instituições de natureza privada, quanto em perspectiva de mercado econômico, ou seja, visto a partir das instituições prestadoras desse serviço, momento em que não são percebidos apenas como estudantes, mas também consumidores.

Esses consumidores, que são também estudantes, tem sobre o serviço que lhes é prestado, portanto, não apenas a proteção do Poder Público sobre a qualidade do que está sendo consumido, mas também toda a estrutura de proteção e direitos atribuídos aos consumidores e que, hoje, estão instituídos no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), e que no dia 11 de setembro de 2022 completa 32 anos de vigência.

Se de um lado tem-se uma espécie de "dupla proteção", ou seja, se o estudante-consumidor tem para si a proteção do Poder Público sobre o serviço de educação prestado e as garantias conferidas pelo Código de Defesa do Consumidor, de outro lado as instituições de ensino de natureza privada tem sobre si a responsabilidade de não apenas prestar um serviço balizado pelas exigências regulatórias, mas também a obrigação de ofertar à sociedade um serviço e um atendimento absolutamente responsivo à dinâmica proposta para com os consumidores.

Publicidade

A complexidade para a prestação do serviço de educação enquanto segmento de mercado, sugere que, entre muitos deveres, as responsabilidades regulatórias sejam associadas às obrigações que tem para com os consumidores, e aquilo que é proposto ou balizado pelo Poder Público passa a ser de responsabilidade das instituições de ensino para com os estudantes consumidores.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Veja o exemplo dos trâmites para a expedição do diploma de graduação no ensino superior (regulado pela Portaria MEC n. 1095/2018), ou da matrícula no ensino superior antes da conclusão do ensino médio (regulado pelo art. 44, II, da LDB). Em ambos os casos a instituição de ensino superior é demandada a atender a regra por critérios regulatórios e, no mesmo plano, está sujeita à disciplina do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor, que lhes obriga a informar dessas obrigações e limites aos consumidores, independentemente do fato de serem disposições normativas plenamente acessíveis a todos.

Os exemplos são inúmeros e as responsabilidades das instituições de ensino de natureza privada também. O mercado da educação há de ser festejado apesar de todas dificuldades e obstáculos enfrentados, e as regras consumeiristas, especialmente àquelas disciplinadas no Código de Defesa do Consumidor há 32 anos não devem ser vistas com receio por parte de quem presta o serviço, ao contrário, devem ser percebidas como aliadas das fórmulas regulatórias impostas pelo Poder Publico.

E não por outra razão, mas porque tanto umas quanto as outras, seja por regulação setorial seja pela relação de consumo, as instituições de ensino têm de estar preparadas para, acima de tudo, auxiliar o Estado na nobre missão de oferecer educação ao povo brasileiro que, sendo estudante ou consumidor - ou ambos -, está sedento por conhecimento e lutando para desenvolver nosso País.

*João Paulo de Campos Echeverria, sócio da Covac Sociedade de Advogados

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.