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A educação além da pedra

Por Daniel Castanho
Atualização:
Daniel Castanho. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

A verdade quase nunca é única. Para a filosofia, não existe "a" verdade. Ela não é singular, é plural. Mesmo a verdade factual, inquestionável sob certos aspectos, passa pelo filtro da interpretação pessoal, pelo crivo do repertório de cada um. A verdade só existe como meta, não como resultado de um processo. O professor e jornalista - homenageados neste mês pela efeméride e pelo Nobel - buscam a verdade, sim, mas sabem que, se bem sucedidos, conseguem apenas jogar luz sobre os cantos obscuros da história.

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É assim, iluminando o pensamento, que o a educação e o jornalismo constroem o futuro. A partir das verdades absorvidas podemos ler e interpretar a realidade. Uma interpretação sofisticada do futuro nos permite fazer as melhores opções no presente.

Este mês, os jornalistas Maria Ressa, das Filipinas, e Dmitry Andreyevich Muratov, da Rússia, receberam o Nobel da Paz pelo ativismo em favor da liberdade de expressão. Ambos atuam em países que não são considerados democracias plenas. Sem julgamento ou preconceito, eles incentivam o debate de ideias que apenas a liberdade pode proporcionar.

O único caminho para a paz é através do confronto de ideias. A capacidade de ouvir o outro, de conviver na diversidade, de exercitar a empatia, de buscar, genuinamente, o entendimento das diferenças e praticar o acolhimento e o amor na compreensão das visões opostas, tudo isso são habilidades essenciais para evoluirmos coletivamente. As escolas e as universidades constituem a arena principal do livre-pensar. Alunos precisam ser livres para chegar às próprias conclusões. Precisam dominar pensamentos e escolhas por meio de saberes amplos.

O bom jornalismo - aquele que privilegia a exposição de fatos e dados, que permite a difusão da informação intelectualmente honesta - contribui para a formação do pensamento crítico do indivíduo e da coletividade. É, nesse sentido, uma forma de educação. É na liberdade da divulgação plena dos fatos, e da sua interpretação, que reside a chance de paz duradoura. Paz não é decreto, é construção.

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O mesmo se pode dizer do futuro. O futuro resulta da nossa construção, sobretudo a partir de situações-limites, em que pessoas e sociedades são levadas a rever seus valores. Acredito que, no estágio atual da pandemia do coronavírus, estejamos num desses momentos cruciais. O custo da crise sanitária, em termos de vidas humanas precocemente ceifadas, tem sido elevadíssimo, mas se a coletividade não aprender nada, todo o sofrimento terá sido em vão - quase uma desconsideração adicional às vítimas. É também em nome delas que devemos procurar tirar lições da crise mundial.

Artífice central dos novos tempos, o professor ocupará cada vez mais espaço privilegiado nesse processo de transformação social. Cabe a ele formar as novas gerações, ajudá-las a lidar com os desafios que se colocarem em suas trajetórias. Ele sabe que o fracasso que não resulte na promoção de um mundo melhor é apenas um fracasso, puro e simples. Já o fracasso que induza a mudanças drásticas e necessárias é, se me permitem o oxímoro, um fracasso bem-sucedido.

Esse é o papel do professor, da professora. Deles depende o amadurecimento da sociedade, fruto da reinvenção que começa na sala de aula. Não se trata de ensinar, ou só de ensinar. Trata-se, isto sim, de inspirar, de provocar, de fazer o aluno querer dar o máximo de si, superar seus limites. Trata-se, ainda, de nos fazer olhar o mundo por outros ângulos, tonando mais aguda nossa sensibilidade, ampliando nosso repertório.

Para Nietzsche, a primeira tarefa da educação é ensinar a ver. Ver sem as travas do dogmatismo, quebrando paradigmas e desenvolvendo a empatia - aquela capacidade demasiadamente humana de se colocar no lugar do outro, sentir a dor do outro, entender suas razões e emoções.

Concordo com o maestro inglês Benjamin Zander, da Orquestra Filarmônica de Boston, para quem "sucesso é a quantidade de olhos brilhando ao nosso redor". Essa é a verdadeira recompensa para um professor. Hoje, no Dia do Professor, gostaria de transcender o sentido estrito da palavra. Refiro-me ao professor de um modo abrangente, e não apenas para designar o mestre na sala de aula. Os meus parabéns, portanto, vão também para todos que se dedicam, na prática, a transmitir e a trocar conhecimentos sobre suas áreas de atuação, seja o jornalismo, a medicina, a engenharia, a dança, a música.

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O bom professor, tal qual deveria ser o seu aluno, é um eterno aprendiz. Já foram os tempos em que um suposto sabe-tudo despejava dados, datas e tabuadas a crianças compreensivelmente desatentas. O que no passado era o ponto de chegada é hoje o ponto de partida. Uma data sem contexto, por exemplo, significa nada.

Adélia Prado disse certa vez: "De vez em quando, Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo". À sua maneira, ela nos deixa um alerta. Precisamos, da mesma maneira que a poetisa, a aprender a ver, na pedra, além da pedra. Talvez seja essa, afinal, uma boa definição para atividade do professor e do jornalista nestes tempos de pandemia e de aprendizado.

*Daniel Castanho, presidente do Conselho de Administração da Ânima Educação e membro dos conselhos da Escola Lumiar e da Escola Castanheiras

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