A natureza é una e desconhece as fronteiras erigidas artificialmente pelo ser humano. Toda a vida em nosso planeta está conectada e é interdependente. Infelizmente, nossos projetos e ações comumente negligenciam este fato, gerando grandes prejuízos. Processos nocivos ao meio ambiente são tolerados, ou, até mesmo, estimulados por governos pouco afetos a um planejamento de longo prazo. O ativo ambiental, especialmente em países em desenvolvimento com grande pressão por emprego e renda, como o Brasil, é muitas vezes irracionalmente explorado, como se a economia e a ecologia pudessem existir separadamente. Ledo engano. A fatura vem e com juros bem altos.
A pandemia da covid-19 é mais um capítulo nesta história. A ciência nos diz que a destruição de ecossistemas ocasiona o aparecimento de epidemias. A proteção do meio ambiente e o equilíbrio dos ecossistemas consiste, portanto, em medida fundamental para prevenir a vinda de novas epidemias e pandemias. Neste sentido, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês) lançou em 2019 o guia tripartite para orientar os países quanto ao tratamento de zoonoses, estimulando uma abordagem multisetorial.
Neste contexto, o licenciamento ambiental, procedimento administrativo prévio e concomitante de controle dos empreendimentos que geram impactos ao meio ambiente no Brasil, necessita tornar-se mais efetivo e menos formalista. É imperioso que analise os impactos cumulativos gerados por empreendimentos diversos em uma determinada zona ou região ao longo do tempo. Ainda, é crucial ampliar a fiscalização, não apenas para combater os empreendimentos irregulares, que tantas perdas ambientais e sociais têm causado, como também para verificar se os empreendimentos regularmente licenciados estão cumprindo com as condicionantes e exigências, especialmente quanto aos imprescindíveis programas de monitoramento.
O Projeto de Lei Ordinária nº 3.729, de 2004, que deverá ser levado em breve para apreciação pelo Plenário da Câmara dos Deputados, traz importantes inovações para o licenciamento, como, por exemplo, a salutar possibilidade de simplificação de seu procedimento pelos entes federativos para empreendimentos que não apresentem potencial de causar impacto significativo. Por outro lado, o referido projeto mantém exigência anacrônica de publicação de pedido, deferimento e de outros atos relativos ao licenciamento, em diário oficial e em jornal de grande circulação, quando, por óbvio, a divulgação na rede mundial de computadores, através do sítio eletrônico do órgão licenciador, seria medida menos custosa e que lhes daria bem mais publicidade.
Oxalá que no mundo pós-pandemia os governos e as comunidades despertem para a realidade de que não há economia sem ecologia, e coloquem definitivamente no centro das políticas econômicas voltadas para a recuperação das nações a proteção dos ecossistemas e de suas relações essenciais com a nossa saúde e a do planeta em que vivemos.
*Antônio Beltrão, sócio do escritório Da Fonte, Advogados e especialista na área de Direito Ambiental. Master of Laws in Environmental Law pela Pace University School of Law. Procurador do Estado de Pernambuco