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A desordem legislativa no combate à covid-19

Por João Carlos Areosa e Raphael Rangel Pereira
Atualização:
João Carlos Areosa e Raphael Rangel Pereira. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Diante do cenário de pandemia da covid-19, o Congresso Nacional aprovou, em fevereiro deste ano, a Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre o enfrentamento do coronavírus. Posteriormente, algumas alterações foram implementadas pela Medida Provisória nº 926/2020, ao mesmo tempo em que foram definidos os serviços e atividades considerados essenciais pelo Decreto nº 10.282/2020.

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Sem a devida coordenação, os governos estaduais e municipais também passaram a adotar medidas contra a disseminação do coronavírus. Na prática, as autoridades públicas têm emitido atos normativos conflitantes e que ao mesmo tempo obstruem avanços contra a pandemia e ameaçam a própria segurança e saúde da população brasileira.

Em outras palavras, ao longo do último mês houve uma profusão de decretos através dos quais autoridades locais restringiram ou até mesmo proibiram o funcionamento de atividades produtivas e serviços essenciais - em contraste às diretrizes federais -, como é o caso do agronegócio e da indústria de alimentos, apenas para citar dois exemplos. Grande parte desses decretos sequer teve o cuidado de definir o que seriam atividades e serviços essenciais.

Exatamente por serem entes da Federação, Estados e Municípios poderiam compreender as diretrizes da União como um alicerce normativo para a edição de suas próprias medidas internas, sem deixar de cotejar o interesse local, nem negar o interesse nacional. Por isso a ponderação e coordenação entre todos os interesses é fundamental em prol do Brasil e seus cidadãos, e não apenas um ou outro de forma isolada.

Nesse contexto de ausência de coordenação política, o Poder Judiciário tem sido acionado a intervir como verdadeiro catalizador legislativo, ponderando os diferentes comandos e interesses sociais envolvidos em busca de um equilíbrio e primazia do bem comum. É o que se verifica em recente decisão emitida pelo Tribunal de Justiça da Bahia (processo n. 8008006-44.2020.8.05.0000), que ao se deparar com regras conflitantes, assegurou o pleno funcionamento de indústria do setor alimentício, reconhecendo se tratar de atividade produtiva essencial para evitar uma eventual crise de abastecimento.

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A verdade é que essa decisão segue uma tendência jurisprudencial de manutenção e proteção aos serviços e atividades essenciais, nos termos da diretriz federal, que impactam diretamente a coletividade. Os tribunais têm agido com bastante parcimônia, identificando, no mais das vezes, uma questão elementar: de que adianta manter abertos supermercados e farmácias se determinadas indústrias e meios de transporte que os abastecem ficarem impedidos de funcionar?

Instado a se posicionar sobre essa ausência de alinhamento entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, por meio da Medida Cautelar na ADI nº 6341, proposta pelo PDT, o Plenário do Supremo Tribunal Federal referendou, em 15.04.2020, a decisão liminar do Ministro Marco Aurélio Mello para definir que Estados e Municípios têm competência concorrente para cuidar da saúde pública e adotar sua medidas contra a pandemia.

Ressaltou-se, contudo, a urgência de uma integração de esforços entre todos os entes, pois, nas palavras do ministro Alexandre de Morais: "não é possível que os municípios se tornem repúblicas autônomas dentro do Brasil, fechando seus limites geográficos e impedindo a entrada de serviços essenciais."

Esse alerta, ao nosso ver, reforça a necessidade de alinhamento de Estados e Municípios às diretrizes federais postas na MP 926 e Decreto 10.282, evitando-se conflitos indesejados entre suas disposições ou efeitos que extrapolem os seus limites territoriais.

A pacificação do tema, no entanto, parece longe de um fim. Ainda será objeto de apreciação por aquele Tribunal Superior outras demandas que versam direta ou indiretamente sobre a competência dos entes federativos para adotar medidas normativas e administrativas inerentes ao enfrentamento da covid-19.

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Apesar dos próximos capítulos no campo do Poder Judiciário, toda essa discussão bem demonstra que somente a confluência de interesses - pautada pela ampla colaboração e coordenação entre os entes federativos - viabilizará uma solução harmônica e pavimentará o caminho da segurança jurídica, política efetiva de saúde pública e retomada econômica brasileira.

*João Carlos Areosa é doutorando em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestre (LL.M.) pela Faculdade de Direito da Universidade de Chicago, mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP e sócio da Área de Contencioso, Arbitragem e Resolução de Disputas de Mattos Engelberg Advogados

*Raphael Rangel Pereira é bacharel em Direito pela PUC-SP e advogado da Área de Contencioso, Arbitragem e Resolução de Disputas de Mattos Engelberg Advogados

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