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A defesa da concorrência nos tribunais brasileiros

Por Bruno Drago
Atualização:
Bruno Drago. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Novas fronteiras do antitruste tem se desenhado no horizonte, que prometem uma nova era de aplicação e respeito à livre concorrência no país. No momento que se cogita denominar pós-Lava Jato, ao mesmo tempo em que o compliance anticorrupção e concorrencial torna-se cada vez mais indispensável à saúde empresarial, discutem-se melhores mecanismos de reparação de danos causados não somente ao erário público, mas ainda a empresas e consumidores lesados. O fortalecimento do debate perante o Poder Judiciário alimenta a evolução das instituições.

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Ao nos debruçarmos sobre a prática dos tribunais envolvendo temas de livre concorrência até os dias de hoje verificamos significativos gargalos para a desejada instrumentalização jurídica dos meios de reparação de danos originados de condutas anticoncorrenciais. Ao mesmo tempo, criam-se ameaças a instrumentos consagrados de persecução administrativa e criminal como os Acordos de Leniência e os Termos de Compromisso de Cessão. Se faz necessária extrema cautela para sopesamento dos interesses em jogo, de maneira a cuidar-se dos incentivos trazidos por tais dispositivos levando-se em conta os instrumentos de reparação civil.

Neste sentido, a própria autoridade de defesa da concorrência prepara sua regulamentação infralegal para tratar da proteção aos documentos da leniência e dos termos de compromisso de cessação de condutas infrativas. Tal documento se encontra atualmente em consulta pública no órgão. Pretende, assim, não somente garantir mecanismos de proteção aos instrumentos de acordo e delação, com maior segurança jurídica, mas ainda influenciar as decisões do poder judiciário ao se deparar com o assunto.

A questão é bastante delicada, e requer cautela na adoção de medidas que venham a proteger os incentivos existentes para empresas confessarem suas práticas anticoncorrenciais. Mas ao mesmo tempo que não se pode cogitar de uma redução de incentivos neste sentido, deve-se caminhar para um sistema em que empresas e cidadão lesados possam, efetivamente, ressarcirem-se de danos incorridos por conta das práticas ilegais.

No que toca ao mérito dos instrumentos jurídicos relevantes para a operacionalização das ações de reparação, não fogem temas como a suspensão da prescrição para reparação de danos até que se tenha a decisão final por parte do CADE, a responsabilização solidária de cartelistas em ações indenizatórias, a instituição dos danos em dobro e o valor probatório destas decisões administrativas.

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Outras discussões de relevo tem ainda sido colocadas, como a própria utilização de mecanismos de arbitragem para a solução de conflitos privados como a reparação de danos. Contudo, neste aspecto, parece haver a necessidade de criação de alguns mecanismos artificiais de incentivos para que empresas condenadas por práticas anticompetitivas possam, de fato, vir a concordar com a solução arbitral que implicará o dever de indenizar.

Portanto, uma vez alcançado um adequado balanço, em que impere o bom senso na priorização dos incentivos, o que se tem a verificar é que mecanismos de garantia de ressarcimento dos danos causados a tais empresas e consumidores só tem a contribuir para um ambiente de compliance concorrencial. A exemplo de países como os Estados Unidos, cujo sistema de defesa da concorrência possuiu uma judicialização histórica mais profunda, e como a União Europeia, recentemente incentivador das ações, o Brasil só tem a ganhar com uma política pública que oportunize os benefícios decorrentes das ações de reparação de danos.

O Projeto de Lei n. 283/16, que se encontra sob a relatoria do senador Armando Monteiro, tem procurado endereçar estas questões de forma responsável, sempre ouvindo todos os lados envolvidos no debate, no que parece estar alcançando interessante dosagem de interesses.

No mais, para que o sistema opere dentro de uma especialidade e eficiência esperada, outro debate se coloca, no sentido da especialização judicial de varas da concorrência. A especialização de varas da primeira instância, bem como das seções ou turmas da segunda instância dos tribunais brasileiros, da justiça federal e estadual, é debate iniciado. Sob a orientação do CNJ, alguns Tribunais já se debruçam sob estudos quantitativos e qualitativos a fim de melhor se estruturarem para o enfrentamento da matéria.

Em um subsistema que muito se aproxima do common law norte-americano, com normas de tipologia demandando interpretação dos aplicadores do direito, de profunda aplicação de conceitos e princípios econômicos de Law & Economics, e de construção jurisprudencial capaz de prover a devida segurança jurídica, especializar-se o trato da matéria parece uma evolução de bastante relevância para a busca de um funcionamento mais equilibrado dos mercados.

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Em 1994 vivemos a edição da primeira Lei de Defesa da Concorrência que efetivamente prosperou. Mais recentemente a promulgação do novo diploma, em 2011, promoveu novo avanço para a livre concorrência no país, em especial com a criação de um regime suspensivo de concentrações e um combate mais estruturado aos grandes carteis locais e internacionais.

Já não é sem tempo para a Terceira Revolução do Antitruste, que deverá instrumentalizar e mergulhar de vez o poder judiciário no debate. Esta revolução, se bem conduzida, será capaz de promover novos incentivos ao compliance concorrencial por parte das empresas, bem como promover a devida instrumentalização das reparações de danos.

*Bruno Drago, sócio do Demarest

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