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A decisão de Fachin sobre as condenações de Lula

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Por César Dario Mariano da Silva
Atualização:
César Dario Mariano da Silva. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Chamou a atenção de todos os brasileiros decisão proferida pelo ministro Edson Fachin, que declarou a 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, presidida pelo então juiz Sérgio Moro, incompetente para julgar os processos em que o ex-presidente Lula foi condenado nos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia.

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Observo, de início, que Lula não foi absolvido. Os processos foram apenas anulados no que tange aos atos decisórios, a partir do recebimento da denúncia, cabendo ao magistrado a quem forem distribuídos os autos decidir sobre a convalidação das provas já produzidas, que, a seu critério, poderão ser aproveitadas.

A parte dispositiva da decisão é a seguinte:

"Ante o exposto, com fundamento no art. 192, caput, do RISTF e no art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal, concedo a ordem de habeas corpus para declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais n. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365-32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula), determinando a remessa dos respectivos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal. Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios".

A decisão proferida pelo Ministro Edson Fachin, em embargos de declaração, em sede de Habeas Corpus, traz algumas inconsistências jurídicas e lógicas.

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Consta das condenações de Lula nos casos do triplex do Guarujá e do Sítio de Atibaia, que há conexão entre o recebimento da propina com fraudes à licitação que ocorreram em duas refinarias da Petrobrás (Abreu Lima e Presidente Vargas). Houve pagamento de propina, com a participação de Renato Duque, Pedro Barusco e Paulo Roberto Costa. Parte dessa propina foi direcionada a Lula, mediante lavagem de dinheiro. E dentre as propinas, o recebimento do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. A condenação quanto ao triplex foi mantida pelo TRF 4 e pelo STJ, ao passo que, quanto ao sítio de Atibaia, pelo TRF 4, estando pendente de apreciação recursos para os Tribunais Superiores.

Há, portanto, relação direta com atos ilícitos cometidos contra a Petrobrás, o que justificou o processamento das ações em Curitiba (13ª Vara Federal).

Basta, assim, que parte da propina tenha saído dos cofres da Petrobrás para que seja fixada a competência, como de fato foi reconhecida pelo Juiz de primeiro grau (Moro), pelo TRF 4 (RS) e pelo STJ. Foram quatro magistrados (um juiz e três desembargadores) e quatro ministros da 5ª Turma do STJ, que decidiram nesse sentido.

Além do mais, há o que na doutrina se denomina de conexão instrumental probatória, ou seja, as provas guardam relação em diversos processos, sendo usadas em vários deles. A prova de um processo influi diretamente na de outro, recomendando que os processos tramitem em conjunto para que não ocorram decisões contraditórias (art. 76, III, do CPP).

Aliás, apenas porque os processos correram no mesmo foro é que os fatos foram apurados. Só com a visão do todo foi possível entender o esquema criminoso, que quase levou a Petrobrás à bancarrota, causando prejuízo bilionário à empresa e, também, ao Brasil.

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O que me chamou a atenção do mesmo modo é que no HC não se analisa provas à fundo, mas apenas matéria de direito, conforme pacífica jurisprudência dos Tribunais Superiores, inclusive do próprio STF.

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Anoto que o próprio ministro em sua decisão disse que passou o recesso forense analisando os autos, o que não é usual em HC, que a prova já deve estar pré-constituída. Matéria complexa que exige análise profunda de prova não é analisada em Habeas Corpus.

Além do mais, foi concedida a ordem liminarmente, o que pressupõe a plausibilidade do direito e a urgência da concessão da medida. Nem um e nem outro se faziam presentes. A plausibilidade do direito pressupõe provas pré-constituídas de que não há correlação entre as fraudes ocorridas na Petrobrás e o recebimento de propina por Lula, na forma do triplex e do sítio de Atibaia. Essa análise, que demanda revolvimento de provas, é incabível em sede de Habeas Corpus e muito menos liminarmente. Do mesmo modo, qual a urgência para a concessão da ordem liminarmente, se Lula não está preso e nem na iminência de o ser?

No STJ tramitou recurso especial e no STF deveria, do mesmo modo, ser analisado o recurso extraordinário em que ficassem demonstrados os elementos necessários para sua admissão, lembrando que em nenhum destes recursos é possível a reanálise de provas.

O pior é que, como Lula é maior de 70 anos de idade, o prazo prescricional é reduzido da metade (art. 115 do CP). Os fatos remontam a 2009 a 2012. Por isso, os crimes de corrupção, levando em consideração o prazo prescricional máximo (20 anos dividido por 2 = 10), advirá a prescrição em janeiro de 2022 (data da última conduta que lhe é atribuída). O mesmo deve ocorrer com o crime de lavagem de dinheiro, seja a prescrição pela pena concreta ou até mesmo a abstrata, que continua a correr até o julgamento do último recurso (trânsito em julgado). Como as penas aplicadas são menores do que as máximas, o que deve repetir em eventual nova condenação, a prescrição fatalmente ocorrerá, ao menos a da pretensão executória, que impede o cumprimento de qualquer pena. Mas, pelo que pude analisar, deve mesmo ocorrer a prescrição da pretensão punitiva, o que implica que absolutamente nada poderá ser feito contra Lula, como se nenhum fato tivesse ocorrido. Claro que há causas interruptivas da prescrição da pretensão punitiva (pena em abstrato). Uma delas é o recebimento da denúncia. Porém, não se sabe quando isso ocorrerá.

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Haverá recurso, que deverá ser julgado pela 2ª Turma do STF, constituída pelos Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Carmen Lúcia, Edson Fachin e Nunes Marques, a não ser que o relator leve o processo para ser julgado pelo plenário.

Fiz análise absolutamente técnica, que fique bem claro.

Enfim, agora é aguardar para ver o desfecho deste julgamento, que tem tudo para ser um dos mais comentados dos últimos anos, por motivos mais do que óbvios, que nem é preciso externar.

*César Dario Mariano da Silva, procurador de Justiça - SP. Mestre em Direito das Relações Sociais. Especialista em Direito Penal. Professor universitário. Autor de vários livros, dentre eles Manual de Direito Penal, Lei de Execução Penal Comentada, Provas Ilícitas, Estatuto do Desarmamento, Lei de Drogas Comentada e Tutela Penal da Intimidade, publicados pela Juruá Editora

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