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A curiosa descaracterização de contribuição para plano de previdência privada

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Por Marcel Cordeiro
Atualização:
Marcel Cordeiro. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Durante o julgamento do Processo PA nº 16327.720053/2015-92, a 3ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais tratou da incidência ou não do imposto de renda sobre os valores pagos em plano de previdência privada.

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Os valores aportados pelo contribuinte tiveram sua natureza previdenciária afastada porque eram definidos e alterados pelo Conselho de Administração da instituição financeira, levando-se em consideração, de forma unilateral, os resultados dos negócios, bem como a alta qualificação dos profissionais, seu tempo de serviço e o desempenho no trabalho.

De acordo com a auditoria-fiscal, essas características aproximaram tais aportes dos prêmios por desempenho ou mesmo gratificações.

De fato, a fiscalização apontou que as contribuições feitas para o Plano Gerador de Benefícios Livres não teriam como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário e, por conta da natureza remuneratória que lhes foi atribuída e pela falta de retenção e recolhimento do imposto pela fonte pagadora, aplicou-se a multa isolada.

Apesar de todo o esforço proposto na defesa do assunto, a Turma, por qualidade de votos, negou provimento ao recurso do Contribuinte e manteve o auto de infração lavrado pela auditoria-fiscal.

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O contexto gera enorme preocupação, visto que a remuneração tem toda uma tipologia que não se confunde com salários, renda ou mesmo aportes feitos em planos de previdência privada.

Sob um contexto de natureza jurídica, a remuneração é gênero, do qual salário é espécie, e nem sempre vem atrelada à contraprestação, podendo originar-se de outras fontes.

O salário, por sua vez, é parte da remuneração, mas essa pode abranger parcela que não é salário. O salário não perde o vínculo com a noção de contraprestação, apesar das variações de cumprimento da obrigação, ou seja, (i) trabalho desenvolvido, (ii) tempo à disposição ou (iii) interrupção do contrato de emprego fixada em lei.[1]

A título de exceção, alguns montantes pagos a empregados podem originar-se do trabalho (contraprestação), mas, ainda assim, não lhes será atribuída natureza salarial. E da mesma maneira, alguns montantes pagos a empregados podem originar-se de danos (indenizações), gastos (ressarcimentos) ou benesses necessárias ao bom desenvolvimento do contrato de trabalho (benefícios), sem que lhes seja atribuída natureza salarial.

Da mesma maneira, nem todo valor integra o conceito de renda, tida como base de cálculo desse tributo. O financiamento de imóveis, por exemplo, se descola da noção de acréscimo. Da mesma maneira, montantes em potencial, passíveis de serem percebidos, não deveriam integrar a base de cálculo do imposto de renda.[2]

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É o caso dos aportes em planos de previdência privada. Além de comporem provisões matemáticas singulares e integrarem fundos de investimento específicos, nada mais representam que uma promessa de poupança a longo prazo, a qual, sob condições extremas, pode vir a não se materializar.

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Sem se perder de vista, ainda, que a legislação federal específica para o assunto permite a contratação de planos de benefícios nas modalidades de benefício definido, contribuição definida e contribuição variável, bem como outras formas de planos de benefícios que reflitam a evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de previdência complementar.[3]

Curiosa, portanto, a descaracterização de aportes endereçados a planos de previdência privada calcada na variabilidade dos montantes, ainda que atrelados a determinadas métricas.

*Marcel Cordeiro é Doutor e Mestre em Direito Previdenciário, tem MBA em Direito Tributário e Societário, é especialista em Direito do Trabalho e é sócio no Escritório Loeser, Blanchet e Hadad Advogados

[1] AMAURI MASCARO NASCIMENTO. Salário - Conceito & Proteção. São Paulo: LTr Editora, 2008, p. 57.

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[2] JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES. Imposto sobre a Renda: pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 182; ROQUE ANTONIO CARRAZZA. Imposto sobre a Renda - Perfil Constitucional e Temas Específicos. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 75.

[3] Lei Complementar 109/2001, Art. 7°.

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