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A cultura do litígio e a composição judicial

Por Ricardo Tosto e Daniel Albolea Jr.
Atualização:

Ricardo Tosto e Daniel Albolea Jr. Foto: Divulgação

Na segunda metade do Século XX, o Brasil vivenciou intenso processo inflacionário, principalmente nos anos 80 e primeira metade dos anos 90, somente debelado em julho de 1994 como consequência das medidas contidas no Plano Real.

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Foi nesse contexto de décadas da alta inflação que surgiu um grande desajuste econômico-legal. Enquanto a Lei de Usura (Decreto 22.626/1933), combinada com o Código Civil, então em vigor (Lei 3.071/1916), estipulava que os juros legais eram de 6% ao ano, com limite máximo de 12% ao ano quando ajustado entre as partes, a Lei nº 4.595/1964 afastava tais limitações das instituições financeiras.

Com isso, os juros cobrados por instituições financeiras, ou mesmo pagos aos seus investidores em suas aplicações, eram fixados em percentuais muitos superiores ao limite máximo de 12% mencionado.

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Em consequência, gerou-se enorme distorção na economia brasileira, já que o custo do capital era muito diferente, conforme a origem do crédito. De modo objetivo, o custo das dívidas civis se tornou muito inferior àquelas junto ao mercado financeiro, gerando inúmeras distorções.

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Uma das distorções consistia em se deixar de pagar dívidas civis no seu vencimento, como meio de autofinanciamento para fugir das altas taxas de juros bancárias, prática essa que muitas vezes se estendia ao judiciário.

Além da extensão dos litígios ao judiciário, a distorção de mercado não estimulava a composição do litígio por parte do devedor em geral, seja porque lhes era muito mais vantajoso manter o dinheiro aplicado no mercado financeiro em vez de pagar a dívida, seja porque permitia o autofinanciamento com menor custo.

Houve tentativa de correção desta enorme distorção com o advento do Código Civil de 2003, que estabeleceu em seu artigo 406 a possibilidade de cobrança de juros moratórios à taxa que estivesse em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, atualmente consistente na taxa Selic (Lei 9.065/1995, Art. 13), que chegou a ser de 45% ao ano, conforme se pode verificar em www.bcb.gov.br. Entretanto, a medida não teve o êxito esperado.

De fato, nos litígios relacionados às obrigações não vinculadas ao mercado financeiro manteve-se a aplicação de juros de mora de 12% ao ano, seja porque assim se estabelece nos contratos em geral, em respeito ao limite legal, seja porque tem sido esse o entendimento dominante nos tribunais brasileiros, que aplicam a regra prescrita no Art. 161, § 1.º, do Código Tributário Nacional.

Ocorre que os baixos índices inflacionários dos tempos recentes, aliados à redução das taxas de juros do mercado financeiros que vem ocorrendo no Brasil e no mundo, conforme tem sido amplamente divulgado, acabaram por transformar a taxa de juros de 12% ao ano em eficiente remédio contra a mora, posto que investimentos atuais de baixo e médio risco dificilmente permitem retorno dessa magnitude.

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Isto resgata a natureza dos juros de mora nas obrigações civis, de modo que a cultura do litígio perde razão de ser. De fato, se as partes vierem a se digladiar judicialmente até às instâncias extraordinárias, em processo que venha a durar uma década ou mais, o valor da condenação eventual poderá custar muito mais que resultado oferecido pelo mercado financeiro.

Por essa razão, deve-se ficar atento para os efeitos dos juros de mora ao se optar pela alternativa do litígio. Não será surpresa, ao final da disputa, constatar que a composição, com alguma concessão à parte contrária, teria gerado melhor resultado.

*Ricardo Tosto e Daniel Albolea Jr., são advogados empresariais, sócios do Leite, Tosto e Barros Advogados

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