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A crise da pandemia e o presidente Bolsonaro

Por Rodrigo Augusto Prando
Atualização:
Rodrigo Augusto Prando. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O presidente Bolsonaro, em discurso, em 24/3/20, usou, novamente, de diminutivos como "gripezinha" e "resfriadinho" ao se referir à pandemia da covid-19. Afirmou, ainda, ser contrário ao isolamento social, visto que, em sua opinião, só os mais idosos deveriam se recolher, pois são os mais vulneráveis. Houve, também, no pronunciamento, ataques aos governadores e aos prefeitos e, como não poderia deixar de ser, à mídia. Certamente, este pronunciamento oficial será, na história republicana, o mais criticado pelos atores políticos e pelos especialistas em saúde pública.

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Na Coluna do Estadão, do jornal o Estado de S. Paulo, de 24/3, houve a seguinte afirmação: "O Bolsonaro que se reuniu com governadores do Nordeste não menosprezou a covid-19. Segundo quem acompanhou a teleconferência, o presidente parece ter entendido a gravidade da situação". Há pouco mais de uma semana, 19/3/20, em uma análise minha exclusiva para o Estadão, na versão digital, afirmei: "Antes tarde do que nunca. Há pouco, em entrevista junto aos seus ministros, o presidente Bolsonaro parece ter se convencido da gravidade da situação de pandemia, apresentando ideias e ações. Parece. Há que se aguardar, pois Bolsonaro em inúmeras ocasiões tratou com menoscabo a doença em voga".  Não à toa que a palavra "parece" é utilizada para Bolsonaro: parece ter entendido, parece ter recuado, parece ter amenizado... Só "parece", já que a atitude reinante é a da confrontação e do desencontro discursivo. Vejamos. O ministro da Saúde há semanas defende o isolamento social e quarentena, médico que é e confiante nos dados e protocolos oriundos da Organização Mundial de Saúde. Só que, em 24/03, no referido pronunciamento, o presidente Bolsonaro, mostrou-se contra o isolamento social e indicou que ele seria, apenas, necessário aos idosos e não às crianças, com escolas fechadas. Obviamente, a fala presidencial desautoriza seu próprio ministro e se afirma contrária aos dados da realidade. Em 25/03, o vice-presidente, Hamilton Mourão, declara que existe só uma posição do Governo:  isolamento e distanciamento social. E, incrivelmente, no mesmo dia, 25/03, Mandetta afirma: "Temos que melhorar esse negócio de quarentena, não ficou bom" - retrocedendo e alinhando-se, portanto, ao presidente e contrário ao vice-presidente. Dá para entender?

Há que se admitir: todos estamos com medo. Inclusive Bolsonaro e a classe política em geral. Agora, esse medo, até o momento está muito distante de qualquer histeria. Existe um medo imediato, que se traduz na contaminação e, para o grupo de risco, na gravidade da doença que poderá levar à morte. E um outro medo - este de médio e longo prazo - que diz respeito às consequências econômicas, sociais e políticas derivadas da necessidade de isolamento social. Certamente, a crise econômica será profunda e marcará de forma indelével nosso país e o restante do mundo. Todavia, não se pode afirmar que se coloca, imediatamente, uma "escolha de Sofia": entre a vida dos possíveis contaminados e a economia do país. A crise econômica, empresas fechadas, desemprego, gastos públicos com baixa arrecadação de impostos e tributos, tudo isso, somado, preocupa assaz, mas conjugando esforços políticos, inteligência e liderança em algum momento passará, não sem "sangue, suor e lágrimas", na forte e conhecida afirmação de Churchill, na Segunda Guerra Mundial. Não se pode dizer o mesmo da morte. A morte não é passageira, é definitiva. Uma empresa falida traz tristeza, perdas financeiras e emocionais,  para o empreendedor e para os funcionários, sem dúvidas, mas haverá uma possibilidade, ainda que remota, muitas vezes, de se empreender, novamente, seja por necessidade ou por nova oportunidade. Agora, a falência múltipla dos órgãos ceifa uma vida e, no caso, não há empreendedor que reverta esse quadro.

Em termos éticos, quem tem o direito de escolher quem vive e quem morre? Há, nesta questão, um tanto de darwinismo social embutido. Sabendo-se que são os idosos e portadores de doenças crônicas o grupo de maior risco nesta pandemia, é mister imaginar não um idoso e doente abstrato e sim a figura de nossos pais, avós e bisavós. Como um colega fez, provocativamente, a pergunta em sua rede social: quem de sua família você se disporia a sacrificar para a economia não parar? E uma outra dimensão diz respeito ao acaso e às condições sociais. Ser infectado pode ser uma falta de sorte, mas resistir à doença em condições de se recuperar está - e muito - ligado à nossa condição econômica e social. A base da pirâmide, os mais pobres, são, sempre, os mais prejudicados. Imaginemos as precárias condições nas favelas, nas comunidades, onde sequer há água encanada e muitas pessoas dividem o espaço em cômodos diminutos de uma casa. Ou, então, pensemos nos milhares de municípios brasileiros que não tem leitos de UTI ou respiradores mecânicos.

Jornalistas questionaram-me, ao longo do dia, se Bolsonaro não estaria fazendo uma aposta política. Caso as mortes não sejam muitas e a economia parar, o presidente poderia creditar aos governadores a responsabilidade por esse cenário. É uma aposta. Em contrapartida, os governadores e prefeitos que foram mais duros no que tange à quarentena, podem contra-argumentar que as vidas perdidas foram poucas por conta, justamente, da eficácia do isolamento social. Segundo os cronistas da vida política de Brasília, o presidente Bolsonaro assume a posição do Ministério da Economia e de seus aliados mais próximos, a de que a paralisação da economia - por conta do isolamento social -  significaria o fim do governo e a impossibilidade de uma reeleição em 2022. Há muito se sabe que a economia - seu vigor ou fraqueza - influencia na escolha do eleitor. A famigerada afirmação de James Carville, estrategista de Bill Clinton, em 1992, é sempre repetida: "é a economia, estúpido" - numa indicação de que o eleitorado americano tenderia a votar em Clinton e não em Bush pai por estarem mais preocupados com a crise econômica do que com a vitória de Bush na Guerra do Golfo. Economia e política se retroalimentam e ambas dependem de um senso de confiança e de segurança.

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Economicamente, o ano de 2020 já está acabado, perdido; quiçá, o de 2021, possa trazer algum alívio. Esse é um quadro inexorável e causado pela pandemia, um fator que escapa ao planejamento de empresas e governos. O agravamento da doença no país, com milhões de infectados e milhares de mortos, também pode trazer o mesmo ou até maior comprometimento de nossa economia. Em verdade, não há, por enquanto, cálculos precisos. O que é possível precisar com certa margem de segurança é que Bolsonaro não tem exercido o papel de líder que a situação reclama. E, em política, o poder não fica órfão, será exercido por outros. Parecia - eis a palavra de novo - que o vácuo de poder estava sendo preenchido pela competência técnica do ministro da Saúde, Henrique Mandetta. Ao que tudo indica, o ministro foi enquadrado pelo bolsonarismo e adotou o discurso presidencial em detrimento dos fatos e dos protocolos científicos. E num movimento inédito, os governadores articulam-se, isolando o presidente, dispondo-se à manutenção da quarentena. O cidadão assaz assustado gostaria de ouvir um discurso centrado, transparente, generoso, encorajador, afeito aos dados da realidade. Não o encontrando no presidente Bolsonaro, vão procurar alento nos governadores e nos prefeitos. O presidente poderia coordenar essa "guerra" e unificar o país. Existem os que apostam que ele vai amainar discurso e ações e outros que continuará radicalizando e se isolando. Qual sua aposta, caro leitor?

*Rodrigo Augusto Prando, professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp

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