Recentemente, o STF, fixou tese acerca do crime de apropriação indébita tributária. Segundo acórdão, publicado em novembro de 2020, estabeleceu-se que "o contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990".
A referida tese representou grande mudança jurisprudencial. Em síntese, o STF entendeu que o contribuinte que deixar de pagar o ICMS próprio, ainda que declare o tributo, incorrerá na prática do crime de apropriação indébita tributária.
O ponto central da discussão travada no Judiciário circundou o significado do termo "cobrado" presente na Lei. Diferentemente do STF, a maioria da doutrina entende que a palavra se refere aos casos em que há substituição tributária, ou seja, quando o substituto tributário deve recolher ao Fisco os valores cobrados de outro contribuinte ao longo da cadeia produtiva.
O STF, por sua vez, entendeu que o termo "cobrado" trata não apenas as hipóteses de substituição tributária, mas também os casos de tributo próprio. Segundo o Supremo Tribunal, o contribuinte estaria a se apropriar dos valores cobrados do consumidor final, simplesmente por não realizar os repasses ao Estado.
Esse entendimento sofre duras críticas, dentre as quais se destaca a percepção de que o STF considerou como crime o mero inadimplemento, já que a declaração do tributo não afasta a incidência da norma penal. Dessa forma, o novo entendimento torna possível a prisão por dívida, o que é incompatível com o Ordenamento Jurídico Brasileiro.
Além disso, outro ponto de atenção consiste no fato de que o raciocínio jurídico aplicado no julgamento permite a ampliação do novo entendimento para outros tributos indiretos, como o ISS.
Todavia, os próprios Ministros tentaram impor certos limites ou parâmetros para o uso do novo precedente. Verifica-se, no julgamento, a necessidade da contumácia, ou seja, que o inadimplemento seja reiterado, de modo a constituir uma verdadeira prática habitual do empresário.
Um outro parâmetro interpretativo para a tese, é o dolo de apropriação. Isto é, não basta a intenção e vontade de não recolher o tributo aos cofres públicos, mas necessária é a configuração e comprovação da intenção de se apropriar dos valores.
Ademais, com base na argumentação trazida pelos Ministros, conclui-se que o ilícito está no ato de cobrar do consumidor final o valor do tributo e não repassar ao Estado. Consequentemente, em termos práticos, para a cometimento do crime seria necessária a comprovação do efetivo repasse do ônus econômico ao consumidor, vez que impossível a responsabilização penal com base somente em presunções.
Destaca-se que a mencionada decisão do STF ganhou especial importância no momento presente. A pandemia causada pelo Covid-19 paralisou diversos setores da economia. Em consequência disso, é de se esperar que a inadimplência fiscal seja crescente, o que permite inferir que haverá mais contribuintes denunciados pelo simples não pagamento do tributo nos próximos meses.
Em resumo, é preciso que o contribuinte, quando opte pelo não recolhimento de determinado tributo, esteja devidamente orientado das consequências jurídicas de sua conduta, bem como das soluções cabíveis. Cada caso específico possui suas peculiaridades e deve ser analisado do ponto de vista jurídico, para evitar riscos desnecessários aos gestores do negócio.
*Clara Prado Campos, advogada, integrante do TPC Advogados; Renato Dilly Campos, sócio responsável pela área de Direito Penal Econômico do escritório