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A corrupção que mata

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Por Leonardo Bellini de Castro
Atualização:
Leonardo Bellini de Castro. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

O colapso do sistema de saúde no Amazonas uma vez mais confronta o Brasil com verdades inconvenientes para a classe política em geral, aprofundando o fosso revelador do descaso absoluto desta para com a cidadania em geral.

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A tragédia anunciada e concretizada revela, entre outras graves patologias, o descasamento entre o interesse público e interesses políticos, a falta de planejamento estatal e a inexistência de coordenação entre as várias esferas federativas.

Desnecessário rememorar, nesse caldo, os sucessivos escândalos de corrupção que assolam e assolaram visceralmente o Estado do Amazonas, nódoas que se acumulam há décadas e que trazem a fatura justamente para a população mais vulnerável, que se vê carente de serviços em áreas essenciais, tal qual a saúde pública.

Ilustrativo, a propósito do tema, a advertência de Rose Ackerman, quando aponta para os problemas atrelados à corrupção que transcendem o interesse patrimonial propriamente dito, resvalando primordialmente nas escolhas políticas a nortear a ação do administrador, escolhas essas muitas vezes voltadas ao atendimento de interesses clientelísticos, apartados do interesse público.

Tais escolhas ditam a aplicação de recursos em áreas não prioritárias, dando ensejo à obras e projetos mirabolantes e que não resultam em bens sociais propriamente ditos, mas em oportunidades para ações políticas parasitárias.

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É o caso dos chamados elefantes brancos, obras que drenam recursos para áreas não prioritárias, normalmente associadas ainda a escândalos de corrupção complementares e, além disso, geram ônus adicionais para sua manutenção ao longo do tempo, implicando em um fluxo negativo de recursos públicos.

Impossível, nessa linha, não lembrar da Copa do Mundo e Olímpiadas realizadas no Brasil, eventos esses que deixaram como legado, para além dos inúmeros desvios de recursos públicos, uma plêiade de obras que atualmente não traduzem efetivos benefícios sociais, mas um fluxo considerável de dinheiro público para a manutenção de estruturas ociosas.

Um exercício especulativo nos faz imaginar, portanto, que os recursos empregados na construção da Arena Amazonas, entre várias outras estruturas, que até hoje geram despesas relevantes para vários Estados, poderiam ter sido melhor dirigidos para a infraestrutura de saúde.

Some-se à essa desastrada seleção de prioridades políticas, perenizada em distintas administrações como o modus operandi particular de um perfil político que nos assombra, a corrupção pura e simples, imbricada mesmo na aquisição e uso de materiais básicos, como infelizmente ali se viu em grande escala, a atingir relevantes atores políticos responsáveis pela gestão da saúde.

Tudo não fosse suficiente para nos revelar esse lamentável cenário, o golpe certeiro vem ainda da falta de planejamento e cooperação entre as unidades federativas, no caso a União, Estados e Municípios, cada qual volvidos para suas pautas políticas imediatas.

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Indisputável, nesse particular, a conclusão de que as disputas políticas interfederativas e a falta de um planejamento de médio e longo prazo, com metas aferíveis objetivamente, são circunstâncias que também agravam os problemas sociais e revelam a absoluta falta de eficiência administrativa e governamental.

Na outra ponta dessa conta, cujo emitente é sempre difuso e variado, está sempre o cidadão, que não raras vezes a paga com sua própria certidão de óbito. Uma vez mais, portanto, se comprova que a advertência de que a corrupção mata está longe de ser uma assertiva meramente retórica.

*Leonardo Bellini de Castro, mestre em Direito pela USP e promotor de Justiça em São Paulo

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