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A corrida por créditos tributários

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Por Alessandro Borges
Atualização:
Alessandro Borges. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Diante dos constantes dissabores e percalços ocasionados pela montanha-russa das economias brasileira e mundial, o mercado tem se mostrado cada vez mais ávido por oportunidades que possam não só melhorar o fluxo de caixa, mas também representar efetivos ganhos financeiros.

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Neste contexto, a procura por créditos tributários oriundos de ações judiciais de terceiros voltou à moda com força total nos últimos meses, principalmente em razão da proliferação da oferta de direitos creditórios oriundos da tese relacionada à exclusão do ICMS da base de cálculo PIS/Cofins com consideráveis deságios e prazos de pagamento, seja por conta das incertezas sobre sua iliquidez ou da dificuldade já vislumbrada por algumas empresas em materializá-lo internamente no prazo de 5 anos contados do trânsito em julgado das respectivas ações judicias.

De um lado os contribuintes são assediados por consultores apresentando direitos creditórios para compensação de tributos, por outro as assessorias jurídicas das empresas prospectadas são acionadas para atestar a procedência destes ativos e a efetiva viabilidade da cessão ofertada para monetização pela via da compensação tributária, por conta da expressa vedação ao uso de créditos de terceiros, introduzida no final de 2004, pela Lei Federal nº 11.051, que considera compensações com créditos de terceiros como "não declaradas", que além de não serem passíveis de defesa no contencioso administrativo, podem sujeitar o cessionário a multas isoladas que vão de 75% a 225% dos valores compensados.

A estratégia apresentada aos interessados passa pela cessão do direito creditório por meio de escritura pública e sua apresentação no bojo da ação judicial que versou sobre o crédito cessionado e o direito a sua compensação. Em termos jurídicos, trata-se da afamada substituição do pólo ativo da ação judicial, na qual o cessionário sub-roga-se a todos os direitos do cedente, autor da ação.

Para os defensores desta substituição, a cessão efetuada teria o condão de alçar o cessionário à mesma condição do cedente, em termos de titularidade do crédito, de forma que sua posterior utilização para compensação de débitos tributários próprios não configuraria utilização de créditos de terceiros, mas de crédito próprio.

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Assim, o cessionário adquirente deveria ser visto como detentor legítimo de direito creditório judicial transitado em julgado, estando apto, após a prévia notificação do devedor (União), a promover o encontro de contas junto ao mesmo, não se podendo aplicar a restrição imposta pela legislação federal.

Tanto a PGFN quanto a RFB já se depararam com a operação em comento e obviamente colocaram óbices a sua aceitação, sob o entendimento de que mesmo esta substituição processual não descaracterizaria o uso de crédito de terceiro. Contudo, existem decisões tanto no âmbito do CARF (tribunal administrativo) quanto do STJ, que destoaram desta interpretação e convalidaram compensações efetuadas nesta sistemática.

No âmbito do CARF há um famoso leading case sobre o tema, julgado em 2007 (Acórdão 303-34.917), envolvendo a Cervejaria Kaiser. Nele a turma de julgamento entendeu que a decisão tomada pela justiça federal do Espirito Santo não apenas homologou a substituição processual, mas reconheceu expressamente à Kaiser a titularidade do crédito (CIDE - Cota Café) contra a União Federal, cedido legalmente pela empresa Rio Doce Café S.A Importadora e Exportadora, sendo incontestável que neste processo administrativo o credor do direito reconhecido judicialmente contra a União é efetivamente CERVEJARIA KAISER BRASIL S/A, e não a cedente. Logo, não se trataria de pedido de homologação de compensação de débitos tributários com crédito de terceiro, mas sim com crédito de titularidade da própria Kaiser.

Ainda neste tribunal administrativo, pode-se citar ainda julgamento envolvendo rede varejista de supermercados, realizada pela Câmara Superior da 3ª Seção (Acórdão. 9303­001.524), no qual restou consignou que a cessão de créditos  homologada  judicialmente  é  válida,  passando  ao cessionário todos os direitos sobre os valores cedidos, como se dele fossem, viabilizando, então, a compensação de valores, nos moldes do art. 74 da Lei n° 9.430/96, não cabendo discutir na via administrativa decisão proferida na esfera judicial.

Já no STJ, este tipo de operação também foi analisada em mais de uma oportunidade, tendo sido chancelada em vários de seus aspectos, podendo-se alçar como exemplo processo também relacionado a Cervejaria Kaiser (Ag. Rg no REsp 1.414.986/SP) que validou com base em outros precedentes, inclusive de caráter repetitivo a aquisição de direito creditório de terceiro realizado através da substituição processual do pólo ativo.

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Em que pese a possibilidade jurídica aqui aventada, cumpre esclarecer que as autoridades fiscais invariavelmente tentarão barrar compensações pautadas no contexto aqui descrito. Fatalmente a primeira barreira surgirá no procedimento de habilitação de crédito judicial, regulado atualmente pela IN 1717/2017, no qual o fisco avalia se o contribuinte é detentor do crédito judicial e se cumpre os requisitos formais para compensá-lo.

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Logo, para as empresas que intencionem fazer uso da estratégia objeto deste artigo, cuja possibilidade jurídica restou aqui demonstrada, deve-se considerar adicionalmente a provável necessidade de interposição de medida judicial para obter a habilitação e homologação das compensações realizadas perante a RFB, devendo tal fato, inclusive, ser considerado nas negociações realizadas com os cedentes dos créditos.

Está claro que não se trata de um caminho fácil, mas caso se torne exitoso, sendo dúvida torna-se um diferencial em um cenário tão competitivo como o atual, no qual qualquer acréscimo a performance financeira é sempre bem-vindo.

*Alessandro Borges, sócio da área tributária de Benício Advogados Associados

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