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A contenção ao coronavírus e o 'factum principis' no Direito do Trabalho

Por Luiz Fernando Plens de Quevedo
Atualização:
Luiz Fernando de Quevedo. FOTO: DIVULGAÇÃO  

A medida prevista no art. 18 da MP 927/2020, para ser adequada ao enfrentamento dos impactos às medidas de contenção da circulação da população em resposta ao dramático avanço do coronavírus, deveria ter excluído apenas o §5º, mantendo-se aplicável o artigo 2º-A, do Programa de Seguro-Desemprego, que prevê o pagamento da bolsa de qualificação profissional. 

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Ao excluir a participação do seguro desemprego, a resposta que se esperava da MP 927/2020, mostrou-se insuficiente aos efeitos das paralisações decorrentes da política de isolamento social promovida por diversos estados e municípios. Aguarda-se ainda a complementação das medidas de preservação dos empregos.

Contudo, antes de encerrada a primeira semana sem um substituto ao art. 18, o clima de insegurança se estabeleceu em definitivo quando o presidente da República, mesmo sem sufocar por ato formal a autoridade técnica do Ministério da Saúde, passou a desprestigiar a estratégia do isolamento social. Enquanto são mantidas as Portaria MS n° 356, de 11/03/2020, e Portaria MJ/MS n° 5, de 17/03/2020, que, em atendimento à Lei 13.979/2020, autorizou que gestores locais adotem o isolamento social como primeira resposta à pandemia, o presidente Jair Bolsonaro, ao combater as medidas adotadas por estados e municípios, identificou nesses entes da Federação a responsabilidade direta pelas repercussões do combate à pandemia nos empregos.

É certo que, segundo as lições deixadas pela pandemia no seu trajeto até Brasil, o revogado art. 18 não exagerou ao prever a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho por até quatro meses.

Sem uma nova e adequada medida em substituição ao art. 18, os paliativos que sobraram na MP 927/2020 não serão suficientes para enfrentar o já certo e necessário recrudescimento das medidas de isolamento social. A contradição entre medidas adotadas e anunciadas pelo Poder Executivo da União, grosso modo, obedeceu a seguinte cronologia: em 22/03 foi publicada a MP 927; em 23/03 a MP 928/2020 excluiu o art. 18 da MP 927/2020; em 24/03, o presidente passou a combater o isolamento social em rede nacional.

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Formada a grande expectativa pela edição de nova MP com substituição adequada ao art. 18, a virada cômica (verdadeiro marxismo, de tendência Groucho) veio na entrevista coletiva, no estilo "quebra-queixo"realizada em 27/03, oportunidade em que o presidente, ainda em combate à estratégia de isolamento, o fez com destaque ao art. 486, CLT. Ou seja, ao ratificar sua contrariedade às medidas de isolamento adotadas por estados e municípios, e sugerir expressamente que estados e municípios deverão assumir a responsabilidade pelo pagamento das indenizações de todos os empregados atingidos pelo amargo efeito colateral das medidas de combate à disseminação da pandemia, sinaliza-se em sentido contrário a edição de nova MP com substitutivo adequado ao art. 18.

Isso porque, em primeira análise, a hipótese do art. 486, CLT, foi afastada pela edição da MP 927/2020 que, ao reconhecer, nas medidas de combate à pandemia, hipótese de força maior, apresentou alternativas "a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício", através de medidas extraordinárias a sustentar os efeitos da paralisação temporária do trabalho, conforme previstas na Lei 13.979/2020, nos termos da qual, ato de autoridade municipal, estadual ou federal poderá motivar paralisações temporárias em diversas atividades econômicas.

Quando a MP 927/2020 foi alijada da sua grande medida extraordinária, art. 18, tornou-se inadequada na finalidade de "garantir a permanência do vínculo empregatício". Somando-se às sinalizações do Poder Executivo da União, é necessário avaliar a hipótese de buscar no factum principis alternativa viável a evitar que o empregado deixe de receber suas verbas rescisórias, impondo, a quem de direito, a responsabilidade pelo pagamento das indenizações rescisórias.

Ainda que o faça para afastar a responsabilidade da União pelo pagamento das indenizações decorrentes das rescisões dos contratos de trabalho que os decretos de restrição de circulação venham a resultar, o governo federal mesmo admitiu, em pronunciamentos, a caracterização do factum principis. Assim, após o pronunciamento do presidente realizado no dia 27/03, a hipótese do fato do príncipe, ou previsão do art. 486, CLT, voltou a ser admitida como alternativa aos empregadores que não consigam sustentar as consequências decorrentes das medidas de contenção da pandemia.

Em relação aos aspectos gerais do art. 486, CLT, e ao caráter excepcional das paralisações previstas na Lei 13.979/2020, voltadas ao interesse social da coletividade, necessário esclarecer que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já tem pacifica jurisprudência a impor ao agente público a responsabilidade pelo pagamento das verbas rescisórias dos trabalhadores empregados na propriedade rural objeto de desapropriação para fins de Reforma Agrária (TST-1770-57.2013.5.03.0036, 4ª Turma, publicado em 18.12.2015, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, TST-1764.44.2013.5.03.0038, 2ª Turma, publicado em 29.09.2017, Rel. Min. Maria Helena Mallmann; TST-1745-14.2013.5.03.0143, 3ª Turma, publicado em 29.04.2016, Rel. Min. Maurício Godinho Delgado).

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A discussão sobre a caracterização do fato do príncipe como medida a amparar empregados e empregadores atingidos pela impossibilidade de manutenção das atividades empresariais, diante da inação do Poder Executivo, é necessária e urgente. O ritmo dos eventos servirá para avançar na investigação das respostas adequadas na mitigação das consequências da urgente contenção da pandemia na infecção da população. É papel do Estado apresentar novas medidas, ou será necessário buscar socorro em artigo de Lei com quase 70 anos vigência (art. 486, CLT).

*Luiz Fernando Plens de Quevedo, sócio de Giamundo Neto Advogados e Mestre em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito da USP

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