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A cobrança de multa por descumprimento de contratos futuros no agronegócio

Por João Reis e André Ericsson de Carvalho
Atualização:
João Reis e André Ericsson de Carvalho. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

As baixas temperaturas verificadas na última semana de julho de 2021 apresentam enorme risco para as produções agrícolas, especialmente pelos impactos nas lavouras e, consequentemente, nas futuras colheitas. Imediatamente, a cotação de produtos mais afetados pelas geadas disparou (a variação mensal do milho e do café arábica, por exemplo, chegou a 14,37% e 25,84% no final de julho[1], respectivamente), muito embora os preços de boa parte dos produtos agrícolas já estivessem em um viés de alta nos últimos anos.

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O comprometimento da produção agrícola, que antes mesmo das geadas do final de julho já era afetada pelas condições climáticas adversas, conforme levantamento da Conab de junho de 2021[2], tem consequência direta no cumprimento dos contratos de compra e venda de bens futuros, o que pode levar a uma enxurrada de discussões no Judiciário envolvendo as multas indenizatórias previstas nesse tipo de instrumento.

Nesses contratos, comuns no agronegócio, as partes acordam a venda de safra futura por um preço pré-determinado. Ao "travarem" o preço a ser praticado em momento posterior,  vendedor e comprador entendem o preço como adequado com base em seus custos e expectativas de lucro, protegendo-se da volatilidade dos preços das commodities.

A partir da expectativa de recebimento do produto no prazo e pelo preço acordados, o comprador pode assumir diversas obrigações com as próximas etapas da sua cadeia produtiva. Assim, o inadimplemento do contrato futuro pode acarretar relevantes prejuízos ao comprador, visto que, para fazer frente às obrigações assumidas, terá que adquirir os produtos não recebidos no mercado à vista, com preços potencialmente maiores do que aqueles objeto de contrato inadimplido. Aquele que contratou, por exemplo, café arábica, açúcar, algodão ou milho pelo preço praticado em setembro de 2019 para recebimento em agosto de 2021, caso tivesse que comprar os mesmos produtos neste mês, no mercado à vista, teria que pagar, respectivamente, quase 130%, 100%, 106%, 170% a mais do que o inicialmente previsto[3], o que dá uma ideia dos potenciais prejuízos a serem experimentados pelo adquirente em caso de descumprimento dos contratos futuros.

Por isso, os contratos de compra e venda de bens futuros geralmente contêm robustas cláusulas penais compensatórias, as chamadas multas indenizatórias, que possuem duas funções reconhecidas pela doutrina: (i) coercitiva, de modo a compelir o devedor ao seu cumprimento e (ii) pré fixadora de indenização em caso de inadimplemento do contrato. Com base nas peculiaridades desse tipo de contrato e de seus riscos, não é incomum a fixação da multa em 50% ou mais do valor dos produtos contratados, o que pode ser tido como elevado se comparado aos percentuais adotados em outros tipos de contratos empresariais.

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O Judiciário muitas vezes determina a redução da multa cobrada com fundamento no art. 413 do Código Civil. Decisões nesse sentido envolvendo contratos futuros podem ser encontradas inclusive em tribunais cujos estados são conhecidos pelo agronegócio extremamente desenvolvido, como Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul.

Há julgados que justificam a redução com base numa suposta inexistência de culpa do vendedor pelo inadimplemento, diante da perda da safra por condições climáticas adversas, o que é controverso, diante do entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que esse é um risco inerente à atividade do produtor rural.

A redução das multas, no entanto, deve ser considerada com cuidado para não favorecer a adoção de comportamento oportunista, especialmente daqueles que não tiveram sua produção prejudicada. Caso contrário, pode-se afirmar a existência de um estímulo, nessas circunstâncias, ao descumprimento deliberado dos acordos anteriormente firmados, diante da possibilidade de aumento dos lucros com a venda dos produtos com cotação mais alta no mercado à vista e uma eventual redução judicial da multa prevista no contrato descumprido.

Diante disso, também há julgados que garantem a manutenção das multas nos altos percentuais contratados pelas partes, sendo que tais julgados costumam adentrar nas particularidades do agronegócio e nos prejuízos decorrentes do inadimplemento. Muito embora o art. 416 do Código Civil não exija a demonstração de prejuízo para a cobrança da cláusula penal, estabelecer o contexto da contratação da multa, as consequências do descumprimento do contrato futuro e os custos adicionais incorridos pode ser um caminho interessante para defesa da cobrança da multa contratada em sua integralidade.

Independentemente de seu resultado, qualquer decisão que discuta excessividade de cláusula penal constante em contratos de compra e venda futuros deve levar em consideração a exata compreensão do enquadramento desses acordos no contexto do agronegócio e de sua cadeia produtiva, em razão da exigência legal de ser considerada "a natureza e a finalidade do negócio". Essa é uma lembrança oportuna e que deve ser observada pelos envolvidos, incluindo os Tribunais ao decidirem eventuais controvérsias sobre a matéria, especialmente nesse momento de disparada de preços de produtos agrícolas, bem como de notícias sobre a impossibilidade de cumprimento de contratos firmados em razão dos impactos das geadas nas lavouras.

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*João Reis e André Ericsson de Carvalho são, respectivamente, sócio e advogado do Machado Meyer Advogados 

[1] https://www.cepea.esalq.usp.br/br/gestao-do-negocio-agropecuario.aspx

[2] https://www.conab.gov.br/ultimas-noticias/4038-clima-afeta-culturas-de-segunda-safra-e-producao-deve-chegar-a-262-13-milhoes-de-toneladas

[3] https://www.cepea.esalq.usp.br/br/gestao-do-negocio-agropecuario.aspx

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