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A cláusula de raio em shopping centers e o comportamento do empreendedor

Por Francisco dos Santos Dias Bloch
Atualização:
 Foto: Acervo Pessoal

Há tempos discute-se nos Tribunais brasileiros a legalidade da "cláusula de raio", que impede os lojistas de abrirem operação concorrente em centros comerciais próximos a determinado shopping center.

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Existem decisões judiciais contra e a favor destas cláusulas, mas as discussões são normalmente realizadas sob o ponto de vista das normas que protegem a livre concorrência, a livre iniciativa e os direitos dos consumidores, conforme previstos na Constituição Federal e na Lei 12.529/2011 (a "Lei de Defesa da Concorrência").

Neste artigo, entretanto, propomos uma breve análise da cláusula de raio sob o aspecto da relação contratual entre o lojista e o empreendedor do shopping center, considerando as regras gerais que tornam obrigatória a boa-fé, conforme previstas no Código Civil. Vejamos:

A cláusula em discussão concede ao empreendedor o poder de autorizar ou não ao lojista que abra operação comercial concorrente dentro do território estipulado.

Ocorre que há duas questões relevantes no que diz respeito à aplicação da norma, sob o ponto de vista do direito contratual: em primeiro lugar, o sistema civil brasileiro não admite cláusulas que sujeitem um contrato ao arbítrio exclusivo de uma das partes. Em segundo lugar, o comportamento do contratante após a assinatura do instrumento reflete na possibilidade ou impossibilidade de acionar determinada disposição contratual.

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Quanto ao primeiro ponto, vale levar em conta que o Código Civil, em seu artigo 122, não admite disposições contratuais que sujeitem determinado negócio jurídico ao puro arbítrio de uma das partes. Ou seja, uma cláusula de raio que permita ao empreendedor do shopping center decidir se permite ou não a abertura de loja concorrente, sem qualquer critério objetivo, é nula com base naquela norma. Conforme a doutrina, as condições puramente potestativas são nulas de pleno direito, e tal qualificação pode ser aplicada a estas cláusulas.

O segundo ponto, referente ao comportamento do empreendedor do shopping center após a assinatura do contrato de locação, exige maior cautela.

As cláusulas de raio normalmente são inseridas nas normas gerais dos centros comerciais, que integram todos os contratos de locação firmados com os lojistas dos empreendimentos.

Mas pode ocorrer de o empreendedor, mesmo ciente que a disposição contratual foi infringida, decida não rescindir o contrato de locação de determinado lojista, e nem aplicar a respectiva multa contratual.

A situação não é incomum. Um determinado centro comercial pode inserir a clausula de raio em suas normas gerais e, ao longo de anos, permitir que diversos de seus lojistas abram operações comerciais concorrentes em outro shopping center, que se encontra dentro do alcance da cláusula de raio. A abertura de lojas nesta espécie de centro comercial é um evento notório, amplamente noticiado nos sites dos empreendimentos; o locador não pode alegar que desconhece a infração aos dispositivos contratuais.

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Nesta hipótese não é razoável permitir ao locador que escolha, a seu exclusivo critério, despejar ou multar certo lojista, e não os outros. Também não é razoável que o empreendedor tolere ao longo de anos a infração contratual de certo inquilino e, posteriormente, decida ativar a cláusula de raio, guardando-a como uma verdadeira "carta na manga" contra o lojista.

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O Código Civil exige que os contratantes, em qualquer espécie de contrato, mantenham a boa-fé. E a boa-fé objetiva, estabelecida no artigo 422 do Código, proíbe o comportamento contraditório; nestas situações a obrigação contratual pode ser considerada suprimida do ordenamento jurídico, ocorrendo o fenômeno denominado "suppressio".

É possível concluir, portanto, que a análise das cláusulas de raio em shopping centers não pode ser feita apenas com base nas normas que regulamentam a livre concorrência. Os contratos de locação de espaços nestes centros comerciais encontram-se sujeitos ao Código Civil, conforme disposição expressa do artigo 79 da Lei do Inquilinato, e as normas daquele texto legal exigem respeito à boa-fé e a outros princípios que limitam o arbítrio dos empreendedores.

*Francisco dos Santos Dias Bloch é mestre e pós-graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e advogado do escritório Cerveira Advogados Associados (www.cerveiraadvogados.com.br), nas áreas de Direito Contencioso Cível e Direito Imobiliário.

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