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A celeuma da reforma política

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Por Reinaldo Marques da Silva
Atualização:
Reinaldo Marques da Silva. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Ante o divórcio entre os representantes do povo e seus eleitores, característico da democracia brasileira, na qual os eleitores sequer têm conhecimento de quem elegeram para diversos cargos, ganha relevo a reforma política, consubstanciada no Projeto de Lei nº 9.212/2017, de autoria do Senador José Serra, já aprovado no Senado Federal e em tramite na Câmara dos Deputados, o qual altera a legislação eleitoral para instituir o voto distrital misto nas eleições proporcionais.

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Inicialmente, cumpre enfatizar que o sistema político brasileiro é um sistema majoritário para a eleição dos chefes do Poder Executivo (presidente e vice-presidente da República, governadores e prefeitos), bem como para a eleição de senadores da República; e um sistema proporcional para eleição de deputados federais, deputados estaduais e vereadores, nos termos dos artigos 106, 107 e 108 do Código Eleitoral.

O sistema majoritário pode ser de maioria simples ou de maioria absoluta. No sistema de maioria simples vence quem recebe mais votos. No sistema de maioria absoluta, que é o caso brasileiro, o quórum é específico, deve ser de metade dos votos mais um, isso faz com que o candidato seja eleito, por exemplo, em primeiro turno e, se não atingir esse coeficiente, haverá segundo turno.

O atual sistema proporcional, atacado pelo Projeto de Lei nº 9.212/2017, tem sido alvo de severas críticas. Não sem razão. Com efeito, no sistema proporcional é necessário que o partido político apresente um mínimo de votação, chamado de quociente eleitoral. E, desse quociente eleitoral, extrai-se, por um outro cálculo, o quociente partidário, com a distribuição das vagas entre os eleitos.

Trata-se de um sistema caótico, pois os eleitores, no fim das contas, não sabem quem elegeram porque os votos são diluídos e distribuídos dentro da legenda, do mesmo modo, os candidatos eleitos também não sabem quem os elegeram. Suponhamos um candidato com grande apelo popular e que receba muitos votos. Os votos em excesso por ele recebidos vão para o partido político, sendo, então, distribuídos dentro da legenda, de sorte que os eleitores não sabem quem elegeram além de sua primeira opção, nem os políticos eleitos sabem quem os elegeram. Portanto, fica muito difícil, senão impossível, uma efetiva interação entre os políticos eleitos e seus eleitores. Os eleitores, por não saberem, de fato, em quem votaram, não sabem de quem cobrar a defesa de seus interesses, enquanto os políticos eleitos, porque não sabem quem os elegeram, também não sabem os interesses de quais eleitores defender.

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Por assim ser, é urgente a reforma política, que institua um novo modelo de eleição. Como alternativa, tem-se o sistema distrital misto, amplamente adotado nas democracias avançadas como Escócia, Japão e Alemanha e disciplinado no Projeto de Lei nº 9.212/2017. Esse modelo conjuga o voto proporcional com o distrital, é dizer, o eleitor vota duas vezes: uma, no candidato de sua preferência no distrito, pelo sistema majoritário, e outra, no partido de sua escolha, pelo sistema proporcional de lista fechada (ou eventualmente aberta).

Se a lista será fechada ou aberta, é certo que haverá debates na Câmara dos Deputados. Se for fechada, a distribuição interna dos votos que o partido recebe pode ser distribuída para candidatos do partido, conforme o partido pretenda ou não os colocar no exercício das funções; e se for aberta, os votos da legenda deverão ser distribuídos a candidatos que os eleitores já conhecem, numa ordem de prioridade.

No sistema de voto distrital misto nas eleições proporcionais, tal como proposto, metade das cadeiras é destinada aos candidatos mais votados nos distritos, sendo que há apenas um candidato por partido em cada circunscrição, o que permite uma melhor avaliação das propostas, bem como uma maior interação do eleitor com o mandato de seu representante.

Uma vez que o art. 1º, parágrafo único, da CF/1988, prevê que todo poder emana do povo e em seu nome é exercido por meio de seus representantes eleitos, se os políticos eleitos exercem o poder em nome do povo, as suas escolhas são legitimadas mediante voto. Nada mais racional que eleitores e eleitos se conheçam.

Portanto, não se justifica a atual alienação dos eleitores e de seus representantes. Urge uma reforma política que permita aos eleitores saberem quem elegeram e aos eleitos saberem quem os elegeram, a fim de que representantes e representados possam bem dialogar e a democracia ser de fato exercida.

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*Reinaldo Marques da Silva, servidor público. Mestre em Direito Comparado pela Samford University/University of Cambridge

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