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A agenda de competitividade do transporte aéreo no Brasil precisa ser sistêmica

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Por Ricardo Fenelon Junior
Atualização:
Ricardo Fenelon Junior. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

Não restam mais dúvidas de que ser o detentor do título de país com o combustível mais caro do mundo e com o maior índice de judicialização prejudica o desenvolvimento da aviação civil e por consequência o acesso a esse serviço essencial por um número maior de pessoas. Logo, é muito positiva a agenda do Ministério da Infraestrutura no sentido de buscar um maior alinhamento do Brasil com o restante do mundo, por exemplo Estados Unidos e União Europeia, em relação aos custos do setor aéreo.

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Igualmente, iniciativas da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) desde a sua instalação em 2006, para permitir o aumento da concorrência por meio da eliminação de normas ultrapassadas (desregulamentação) foram muito bem-vindas. Passamos de trinta milhões para mais de cem milhões de passageiros e a tarifa média paga pelo consumidor caiu pela metade.

A mudança em 2019 do Código Brasileiro de Aeronáutica, permitindo até 100% de capital estrangeiro em companhias aéreas brasileiras foi outro passo relevante no que podemos chamar de agenda de competitividade do setor aéreo.

Mais recentemente, as notícias de que Governo Federal, ANAC e Agência Nacional do Petróleo (ANP) estão analisando a questão do preço do combustível de aviação e discutindo alternativas que resultem na sua redução, são pautas muito significativas dessa agenda.

Infelizmente, no entanto, nos últimos três anos, assistimos frustrados empresas aéreas ultra low-cost sendo constituídas nos países vizinhos como Argentina, Chile, Colômbia e Peru. No Brasil, ao contrário, tivemos o encerramento das operações de uma companhia com mais de 10% de participação de mercado e a consequente redução da concorrência no setor. As estatísticas mostram que mais pessoas na comparação passageiro por habitante viajam no Chile e na Colômbia do que no Brasil.

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Estes números refletem todos os pontos elencados acima, mas principalmente o fato de que ainda não conseguimos fazer uma discussão sobre o setor aéreo brasileiro de maneira sistêmica, envolvendo os três poderes, executivo, legislativo e judiciário. Enfrentar apenas um problema, como judicialização ou combustível, não é suficiente. Dessa forma continuaremos não sendo competitivos em relação ao resto do mundo.

Podemos citar, por exemplo, a questão da tributação do arrendamento de aeronaves. Nos últimos anos, essa alíquota do imposto sobre a renda vinha sempre sendo reduzida a zero, até que em 2019, foi editada a Medida Provisória (MP) nº 907, criando um escalonamento alterando a alíquota para 1,5% em 2020, 3% em 2021 e 4,5% em 2022.

Após a tramitação no Congresso Nacional, a Lei nº 14.002 de 2020 foi aprovada com uma mudança em relação à MP original prevendo que em 2020 o imposto seria de 1,5%, mas que em 2021 voltaria a zero. Ocorre que o Presidente da República, ao sancionar a lei, vetou essa mudança e não há mais redução de alíquota prevista para 2021, nem mesmo de 4,5%.

Isso significa que há hoje no mercado uma situação de tremenda insegurança jurídica na qual não se sabe se um tributo, que costumeiramente não era cobrado para contratos de arrendamento de aeronaves nos últimos anos, passará a ser cobrado em 2021, e ainda por cima, numa alíquota de 15%. Considerando que praticamente toda a frota das companhias aéreas no Brasil atualmente é arrendada, trata-se de mais uma peça robusta nesse quebra-cabeça de custos do setor.

É nesse sentido, portanto, que se faz necessária uma discussão sistêmica a respeito da política de aviação civil no País. É imprescindível que os tomadores de decisão dialoguem e busquem um caminho que permita o crescimento do transporte aéreo para que mais pessoas possam voar. Já está comprovado que a barreira dos custos impede que se atinja esse objetivo, bem como que se não trabalharmos de forma organizada, continuaremos enxugando gelo.

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*Ricardo Fenelon Junior é advogado especialista em aviação, infraestrutura e regulação, ex-diretor da Anac e sócio do Fenelon Advogados

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