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A acertada decisão do Tribunal Superior Eleitoral sobre o abuso do poder religioso

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Por Peterson Almeida Barbosa
Atualização:
Peterson Almeida Barbosa. FOTO: ARQUIVO PESSOAL Foto: Estadão

Foi julgado, em 18/8, o recurso especial eleitoral nº 82-85, proveniente de Luziânia-GO, tendo como Relator o Ministro Edson Fachin. Por 6 votos a 1, o Egrégio Tribunal Superior Eleitoral julgou procedente o recurso e, no que importa, não acatou a proposta lançada à Corte pelo eminente Relator para que: "a partir das Eleições deste ano de 2020, fosse assentada a viabilidade do exame jurídico do abuso de poder de autoridade religiosa no âmbito das ações de investigação judicial eleitoral".

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Malgrado o entendimento prevalecente, Suas Excelências, à quase unanimidade, entenderam que: "Por vezes, os eleitores são induzidos compulsoriamente a apoiar candidaturas a partir da atuação de líderes religiosos que, em preocupantes ocasiões, atrelam essa indicação à vontade inquestionável de Deus, quando, na realidade, tal postura é fruto de escolha pura e simplesmente pessoal. O enfraquecimento no processo democrático, nesse cenário, é patente e demanda, como de fato já tem ocorrido, atuação por parte do TSE" (Min. Tarcísio Vieira).

O Min. Luís Salomão foi cirúrgico, ao assertoar: "ainda que se entenda possível, em tese, analisar a suposta interferência de líderes religiosos, considero que o sancionamento do 'abuso do poder religioso' deve decorrer de expressa previsão legal, tendo em vista a magnitude da proteção constitucional à liberdade religiosa em suas diversas dimensões". E finalizou: "... existem dúvidas relevantes que a meu juízo indicariam a necessidade de previsão expressa em lei do ilícito que se pretende ver reconhecido, haja vista, por exemplo, a indeterminação de quem pode ser sujeito ativo e o que se entenderá por autoridade religiosa. Tais aspectos, dentre outros, exigem, a meu juízo, baliza normativa clara. Em suma, com as vênias dos que entendem em sentido diverso, penso não ser possível reconhecer, isoladamente, em AIJE, o 'abuso de poder religioso' ou 'abuso de autoridade religiosa', por falta de previsão legal" - grifei.

Seguiu a esteira do entendimento esposado o Min. Og Fernandes: "Por fim, ressalto que, à míngua de qualquer alteração legislativa, vejo com cautela a adoção de técnica do maximalismo judicial e a fixação de teses prospectivas, sobretudo quando a matéria fática e meritória não permite a aplicação imediata da tese" - novamente grifei.

O Min. Sérgio Banhos foi enfático ao vaticinar ser contrário à tese prospectiva sobre o abuso de poder religioso, bem como "quanto à utilização de hermenêutica que permita o alargamento do conceito de abuso de poder, sem se descurar do distinto grau de subjetivismo dos julgadores" -  uma vez mais apus meus grifos.

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Por fim mas não por último, o Exmo. Sr. Presidente, Min. Luís Barroso, proferiu o desfecho, ao  afirmar não se "animar" quanto à conceituação de autoridade prevista na Constituição Federal, admitindo, em tese, sua caracterização para além dos ocupantes de cargos públicos, "visto que há abuso, não lhe restam dúvidas", entretanto, "as circunstâncias do caso concreto não continham substrato fático a ensejar a discussão de nenhum daqueles pontos". Ulteriormente, concluiu Sua Excelência, com acerto e brilho, que, no caso sub judice, a prova era (como de fato é) insuficiente, não ficando, por conseguinte, descartada, em absoluto, a possibilidade de "no futuro, a questão voltar a ser discutida, desde que em outras circunstâncias e sobre outros fatos subjacentes". Encerrou dispondo que a questão merecia ser pensada, mas não discutida, naquele momento.

No livro a ser em breve lançado "Abuso do Poder Religioso nas Eleições - A Atuação Política das Igrejas Evangélicas", analisando o problema e discorrendo acerca da problemática envolvida, confirmei as hipóteses primária e secundária e propus, para além das proposições outras que trouxe na mencionada obra, como o fim da imunidade tributária para confissões que ingressassem na política e/ou a desincompatibilização de suas atividades eclesiais de religiosos que registrassem suas candidaturas - trechos, para meu gaudio, citados no voto do Min. Tarcísio Vieira - o suprimento da lacuna legislativa, repito, LEGISLATIVA, "criando-se, no mundo jurídico, por intermédio das Casas Legislativas, a quarta figura (citada) à tríade legislada (abusos de poder político, econômico e midiático)", por entender ser o Parlamento o único locus adequado para a discussão do tema, a sugerir eventual alteração na Constituição Federal (art. 14, & 9º) e na delegação constitucional materializada na Lei Complementar nº 64/90 ("Lei das Inelegibilidades", em seu art. 22), delimitada pela norma hierarquicamente superior.

De fato, é absolutamente inconcebível que qualquer tribunal, seja este superior ou supremo, legisle através de sentenças, sob pena de o principal abusador ser o "legislador julgador", o qual, sob a feição de democracia, implantará verdadeiro totalitarismo, com seu inaceitável terraplanismo hermenêutico a dar vida a tipos e regras não legisladas sob a unção de "bem intencionados" que se julgam sábios.

De arremate, expresso meu sincero desejo que, as vozes que ardorosamente se levantaram contra a proposta do Min. Edson Fachin, por compreensíveis temores acerca das amarras propostas, bem como quanto à perda de certos privilégios, não se sintam estimuladas a continuar a tutelar as escolhas dos vulneráveis econômica e intelectualmente submetidos a seu jugo, as quais devem ser eminentemente proferidas de forma livre e consciente, como se, doravante, se julgassem detentores de um suposto "salvo conduto". Não o têm!, e Aquele "cujos olhos estão em toda parte, observando atentamente os maus e os bons" (Provérbios 15:3) permanecerá atento a iluminar, guiar e manter vigilantes os homens verdadeiramente concebidos à Sua imagem e semelhança. Sigamos!

*Peterson Almeida Barbosa é mestre em Direitos Humanos, especialista em Direito Eleitoral, promotor de Justiça Eleitoral (MP-SE) desde 1997 e autor do livro Abuso do Poder Religioso nas Eleições  - A Atuação Política das Igrejas Evangélicas (Lumen Yuris, 2020)

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