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A demonização do Refis é desejável para quem?

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Por Gabriela Miziara Jajah
Atualização:
Gabriela Miziara Jajah. FOTO: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

O último programa de refinanciamento de dívida fiscal federal veio com o nome de "Programa de Regularização Tributária - PRT", instituído pela Medida Provisória nº 766/2017. Não é espelho dos programas passados que, além de admitirem a quitação de dívidas com prejuízos fiscais e base negativa de CSLL, previam reduções significativas de juros, multas e encargos legais.

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Em linhas gerais, o PRT (i) prevê o emprego de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL para a quitação de grande parte dos débitos fiscais administrados pela Receita Federal do Brasil (ou seja, débitos fiscais já inscritos em dívida ativa da União não se enquadram nessa possibilidade), e nisso consiste seu principal benefício; (ii) admite o alongamento do passivo fiscal como um todo, englobando-se as dívidas inscritas ou não inscritas em dívida ativa e, por fim, (iii) pressupõe a apresentação de garantia, notadamente carta de fiança bancária e apólice de seguro garantia, nos casos em que o valor consolidado da dívida for igual ou superior a R$ 15.000.000.

Desenhadas as premissas básicas do programa, vê-se que o PRT tem destinatário e objetivo bem claros. Os seus destinatários são aquelas grandes empresas sujeitas à apuração do IRPJ e CSLL pelo lucro real e que, nos últimos exercícios, tiveram um incremento significativo nos seus créditos tributários decorrentes de prejuízos fiscais de IRPJ e base negativa de CSLL, dado o momento crítico (e recessivo) por que passou o país.

Já seu objetivo é o de reduzir o contencioso tributário dessas mesmas empresas (sujeitas à apuração pelo lucro real) no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, na medida em que apenas os débitos ainda geridos pela Receita Federal do Brasil estão aptos a serem amortizados com prejuízo fiscal.

O PRT tem, portanto, motivos nobres. De um lado, auxilia as grandes empresas, que passaram por situações econômico-fiscais desvantajosas nos últimos anos, a consumir parte de seu prejuízo fiscal, submetido a regras bem restritivas no seu aproveitamento (trava dos 30%, condicionada à existência de lucro ao final do exercício).

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De outro, alivia a estrutura do Carf, diminuindo-se a carteira de processos que serão analisados pelos Conselheiros, e também do próprio Poder Judiciário. Isso porque, o encerramento dos processos administrativos quase sempre é acompanhado da propositura de medida judicial para a discussão dos débitos fiscais debatidos na esfera administrativa.

Entretanto, o PRT não atende à grande massa de contribuintes endividados, e que, infelizmente, dependem de programas de refinanciamento fiscal para a regularização de seu passivo fiscal.

No Brasil, sempre se criou a ideia de que o contribuinte é devedor contumaz, que vive à espera do próximo Refis para obter sua regularidade fiscal e, depois de um tempo, volta à inadimplência.

É claro que não é louvável que os contribuintes retomem a inadimplência após a regularização de suas dívidas. Mas, muitas vezes, essa inadimplência não é desejada nem mesmo pelos contribuintes, e decorre de descumprimentos de alguma etapa de formalização do programa (consolidação, por exemplo).

No último Refis da Copa, têm-se notícias de que diversos contribuintes foram excluídos do programa, de forma arbitrária, devido sobretudo à ausência de recolhimento do saldo devedor gerado no momento da consolidação das dívidas. Muitos desses contribuintes tentaram recorrer ao Poder Judiciário para obter seu reingresso ao programa, sem sucesso.

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Bom lembrar que esse último programa exigiu muito mais dos contribuintes, que ficaram encarregados dos cálculos das parcelas devidas desde a adesão, e também dos montantes devidos a título de entrada (de 5% a 20%, dependendo do montante da dívida).

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Há, portanto, um submundo inexplorado (contribuintes excluídos dos diversos programas por descumprimento de requisitos meramente formais, e sem oportunidade de exercício do contraditório) por aqueles que proclamam, a torto e a direito, que os programas de refinanciamento servem aos maus pagadores.

Até certo ponto, e numa análise bem fria e dissociada da realidade nacional, pode-se supor que a recorrência desses programas acaba sendo um incentivo aos maus-pagadores. A realidade, todavia, é outra, e o Refis ainda é base de apoio de diversas empresas na regularização de seus passivos fiscais.

Até porque, o não pagamento de determinadas dívidas no prazo legal, mesmo aquelas confessadas pelos próprios contribuintes, atrai a incidência de juros moratórios, multa e, após algum tempo, encargo legal (honorários devidos à Fazenda Nacional), o que faz com que se tornem praticamente impagáveis.

A demonização do Refis não serve, portanto, aos interesses do governo Federal, que acaba perdendo importante fonte de receita.

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Assim é que se faz premente a reformulação do PRT, ainda que seus objetivos principais sejam louváveis, de modo não só a oportunizar a amortização de débitos fiscais inscritos em dívida ativa com prejuízos fiscais e base negativa de CSLL, mas também de admitir a redução dos acréscimos legais aplicáveis aos débitos (multa, juros e encargo legal) à semelhança do que ocorreu nos últimos Refis propriamente ditos.

*Gabriela Miziara Jajah é advogada associada da área tributária do Siqueira Castro Advogados

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