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5G e rivalidade

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Por José Inacio F. de Almeida Prado Filho e Pedro Milhomem Araujo de Godoi
Atualização:
José Inacio F. de Almeida Prado Filho e Pedro Milhomem Araujo de Godoi. FOTOS: DIVULGAÇÃO Foto: Estadão

No dia 25.02.2021, a ANATEL aprovou o edital de licitação de frequências para a tecnologia 5G no Brasil. O edital ainda está sob análise do TCU, mas não há dúvida sobre os impactos positivos que se projetam para essas novas redes em suas diversas aplicações, ao permitirem o aprofundamento da digitalização, a ampliação em escala massiva da IoT (Internet of Things) e a criação de aplicações novas que dependem crucialmente de altíssimas velocidades e baixa latência de rede (como carros autônomos, aplicações de telemedicina, dentre outras).

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O processo de concessão poderá exigir migração de faixas dos atuais serviços de TV via satélite, construção de rede privativa de comunicação da Administração Pública Federal e implementação do Programa Amazônia Integrada e Sustentável. Esses temas têm atraído mais atenção da mídia, mas dois outros elementos críticos do design regulatório têm passado distantes dos holofotes: a competição nos serviços de telecomunicações, para além da disputa pelas faixas de frequência, e a amortização adequada das infraestruturas construídas, em particular as redes 3G e 4G ainda em operação.

A eventual imposição de que as vencedoras da licitação tenham que implantar redes 5G inteiramente novas de imediato, compostas integralmente pela tecnologia 5G e sem poder usar elementos das redes 3G e 4G já em operação (dita rede 5G stand alone, ou SA), é um primeiro foco de preocupação. Trata-se menos do dispêndio de capital, a ser precificado no lance vencedor, e mais de limitar o fluxo de retorno dos investimentos 3G e 4G antes do fim de sua vida útil, quando ainda poderiam servir aos proprietários e usuários. Isso poderia atrasar desnecessariamente a operação 5G, que poderia ser lançada mais cedo se suportada pelas redes já existentes, enquanto a nova rede 5G integral é construída.

Por isso há países que adotaram, nas primeiras etapas, redes 5G non stand alone, ou NSA, em que a comunicação entre o terminal móvel e a antena é feita sob a tecnologia 5G porém as redes 3G e 4G existentes seguem em uso nos demais papéis até que depreciadas e substituídas por elementos 5G. A rede vai se convertendo pouco a pouco em rede 5G total, com as características de alta velocidade e baixa latência, à medida e nos locais em que surge demanda e disponibilidade a pagar por esse serviço. Não se interdita a rede anterior, que pode ainda ser útil para oferecer produtos 5G NSA, superiores aos atuais 3G e 4G e com preços menores que o 5G SA.

Suprimir por fiat regulatório parte do menu de escolhas disponíveis aos usuários interdita estratégias concorrenciais legítimas e capazes de incrementar o bem-estar do consumidor. Outros mercados já viram esse roteiro: na imposição de cobertura mínima muito extensa a planos de saúde, que redunda em impossibilidade planos mais simples e baratos; na franquia de bagagem obrigatória em bilhetes aéreos, que dificulta o modelo das companhias low cost.

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Infusão de concorrência e fomento ao compartilhamento de infraestruturas já vinham priorizadas nas políticas públicas de telecomunicações desde ao menos 2018. Sem contar que a quebra do monopólio estatal data do processo de privatização das telecomunicações no final dos anos 90, enquanto a racionalização de infraestruturas e a necessidade de pensá-las de forma integrada para seu aproveitamento máximo não é específica das telecomunicações, como atesta a recente discussão no STF sobre a gratuidade o direito de passagem estabelecido em 2015 pela Lei Geral de Antenas. Esses mesmos dois guias foram insertos nas diretrizes do leilão 5G pela Portaria 1.924/2021 e no edital.

Ao editar a regulamentação com as futuras obrigações concretas de compartilhamento de infraestrutura, é importante que a ANATEL atente aos imperativos da Lei de Liberdade Econômica de intervenção subsidiária e excepcional do Estado, e de combate ao abuso do poder regulatório. Essas feições já constam no Decreto 9.612/2018, que direciona a ANATEL no sentido da simplificação normativa, da autorregulação e celeridade na resolução de conflitos, ao mesmo tempo em que prevê regulação assimétrica e a regulação dos preços de atacado para incentivo ao investimento agregado setorial.

Essas disposições sugerem cautela ao impor ônus regulatórios, especialmente quando o mercado já tem demonstrado dinâmica em contratar voluntariamente o compartilhamento de redes: são diversos contratos de Ran sharing notificados ao CADE como atos de concentração (e.g., Telefônica/TIM, 2019; TIM/Oi, 2018; Telefônica/Nextel, 2016). Mesmo quando essas relações não configurem concentração notificável, seguem sujeitas à atuação repressiva do CADE quando importem efeitos negativos ao mercado, como ocorre desde a Lei Geral de Telecomunicações.

*José Inacio de Almeida Prado e Pedro Milhomem Araujo de Godoi, são, respectivamente, sócio e associado da área de prática de Direito Concorrencial do BMA Advogados

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